Journal of Specialized Nursing Care

Management of acid-base equilibrium in patients with septic shock - Sistematic Literature Review

Gerenciamento do equilíbrio ácido-básico no paciente em choque séptico - Revisão Sistematizada da Literatura


Aline Mesquita Pinto Manhães
. Enfermeira. Aluna do Curso de Especialização em Enfermagem em Cuidados Intensivos / Universidade Federal Fluminense (UFF). alinemesq@ig.com.br

Profa. Dra. Isabel Cruz. Titular da UFF. isabelcruz@uol.com.br


Abstract
: The acid-base equilibrium is essential for the maintenance of human life. It ensures optimal conditions for cell function, regulating the right amount of hydrogen ions in the blood. In an intensive care unit there are many diseases that alter blood pH, for example, the sepsis. During its evolution, disseminated intravascular coagulation occurs which impairs the body perfusion, resulting in a distributive shock and a potential ischemia of the organs. The arrival of oxygen deficiency in cells stimulates anaerobic metabolism, causing excessive lactate and severely decreasing the blood pH. Given the grand important of the problem, This article aims to identify nursing research, using the strategy PICO, determining the best available evidence for management of acid-base equilibrium in patients with septic shock. This is a literature review through computerized search over the months between April and November 2010. As the most important activities of nursing were shown the control of diuresis, water balance and blood gases analysis. At the end of the study it was concluded that early identification of shock, control of infectious focus, maintenance of tissue perfusion and maintenance of acid-base equilibrium of the septic patient, prevent the development of multiple organ dysfunction, resulting in decreased of mortality.

Key-words: sepsis; acid-base equilibrium; acidosis lactic; blood gas analysis; intensive care.

Resumo: O equilíbrio ácido-básico é essencial para a manutenção da vida humana. Ele assegura as condições ideais para o funcionamento celular, regulando a quantidade correta de íons de hidrogênio no sangue. Em uma unidade de terapia intensiva existem muitas doenças que alteram o pH sanguíneo, por exemplo, a sepse. Durante a sua evolução, ocorre a coagulação intravascular disseminada que prejudica a perfusão corpórea, acarretando um choque distributivo e uma potencial isquemia dos órgãos.  A deficiência da chegada de oxigênio nas células estimula o metabolismo anaeróbico, gerando excesso de lactato e diminuindo gravemente o pH sanguíneo. Diante da grande importância do problema, este artigo tem como objetivo identificar a produção científica de enfermagem, utilizando a estratégia PICO, determinando a melhor evidência disponível para o gerenciamento do equilíbrio ácido-básico no paciente em choque séptico. Trata-se de uma revisão bibliográfica realizada através de busca computadorizada ao longo dos meses compreendidos entre abril e novembro de 2010. Como atividades mais importantes da enfermagem foram evidenciadas o controle da diurese, o balanço hídrico e a gasometria arterial. Ao final do estudo foi possível concluir que a identificação precoce do choque, o controle do foco infeccioso, a manutenção da perfusão tecidual e a manutenção do equilíbrio ácido-básico do paciente séptico, evitam o desenvolvimento da disfunção múltipla dos órgãos, resultando na diminuição da mortalidade.

Palavras-chave: sepse; equilíbrio ácido-básico; acidose lática; gasometria arterial; cuidados intensivos.

 

Introdução

 

O equilíbrio ácido-básico é essencial para a manutenção da vida humana. Ele assegura as condições ideais para o funcionamento celular, regulando a quantidade correta de íons de hidrogênio intracelular e extracelular, em um delicado equilíbrio químico entre ácidos e bases no sangue.

No corpo humano, os ácidos são substâncias capazes de fornecer hidrogênio (H+) e as bases são substâncias receptoras de H+. A quantidade do íon existente no organismo é quantificada pelo pH sanguíneo e pode variar de 7,35 a 7,45. Quanto maior a concentração de H+, menor o pH, gerando uma acidose. Em caso de diminuição da concentração, ocorre um aumento do pH, gerando alcalose5. Para haver um pH compatível com a vida é necessário um equilíbrio correto entre o consumo, a produção e a excreção dos íons5.

Em uma unidade de terapia intensiva (UTI), existem muitas doenças que alteram o equilíbrio ácido-básico, por exemplo, a sepse.

            A sepse é caracterizada por distúrbios hematológicos e uma profunda resposta inflamatória a uma infecção por microorganismos ou lesão. Seu efeito é devastador, gerando milhares de óbitos ao ano, sendo considerada a principal causa de morte na UTI6. Durante a sua progressão, mediadores celulares são produzidos e iniciam uma série de eventos que incluem a ativação da cascata de coagulação e complementos, levando uma vasodilatação generalizada, hipotensão, disfunção endotelial e transudação de fluidos que culminam no choque séptico6,11.

            Na literatura de enfermagem atual, vários artigos remetem ao assunto da sepse no centro de tratamento intensivo, mas poucos abordam a manutenção do pH na evolução da doença e as prescrições de enfermagem específicas neste tipo de tratamento.

Diante deste grande problema, este artigo tem como objetivo identificar a produção científica de enfermagem, utilizando a estratégia PICO8, determinando a melhor evidência disponível para o gerenciamento do equilíbrio ácido-básico no paciente em choque séptico.

Acredito que este estudo se justifique pela fundamental importância da enfermagem intensiva na assistência ao paciente de alta complexidade em choque séptico (P) a fim de obter um eficaz gerenciamento do equilíbrio ácido-básico (I) atingindo gases arteriais, ácidos e bases dentro dos parâmetros de normalidade (O).

Metodologia

 

Este artigo científico trata-se de uma revisão bibliográfica realizada através de busca computadorizada no site da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) nas bases de dados LILACS (Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde), SciELO (Scientific Electronic Library Online) e BDENF (Base de Dados de Enfermagem) disponível em http://regional.bvsalud.org/php/index.php, no Portal Capes disponível em http://www.periodicos.capes.gov.br/ e nos sites das revistas de enfermagem brasileiras e estrangeiras mais conceituadas no meio acadêmico.

A coleta de dados foi realizada qualitativamente ao longo dos meses compreendidos entre abril e novembro de 2010, através dos descritores baseados no DeCS/MeSH que incluíram: sepse/sepsis, equilíbrio ácido-básico/acid-base equilibrium, acidose lática/ acidosis lactic, gasometria arterial/blood gas analysis e cuidados intensivos/intensive care. Estes foram agrupados para a busca de acordo com a estratégia PICO8 descrita no quadro 1:

 

  Quadro 1: Estratégia PICO

Acrônimo

Definição

Descrição

P

Paciente (diagnóstico de enfermagem, diagnóstico médico ou tratamento).

Paciente de alta complexidade em choque séptico.

I

Prescrição.

Gerenciamento do equilíbrio ácido-básico.

C

Controle ou comparação.

Não se aplica.

O

Resultado.

Gases arteriais, ácidos e bases dentro dos parâmetros de normalidade.

 

             Na primeira fase, a busca foi realizada com os descritores individualmente. Em seguida os mesmos foram agrupados em duplas, trios e quartetos, culminando na última busca que incluiu os cinco descritores.

            Os artigos encontrados foram selecionados primariamente de acordo com o título. Após, foi realizada leitura crítica do resumo dos selecionados.

Foram incluídos na pesquisa para leitura interpretativa do texto completo e busca de evidências apenas os artigos científicos de enfermagem publicados no período de 2006 a 2010 que se enquadravam no objetivo da pesquisa, trazendo informações atualizadas sobre o choque séptico e a manutenção do equilíbrio ácido-básico.

Síntese das evidências

 

Durante a busca foram selecionados 10 artigos científicos de enfermagem, sendo 4 de revistas brasileiras e 6 de revistas estrangeiras. As evidências disponíveis e pertinentes de cada artigo encontram-se descritas no quadro 2 abaixo:

 

Quadro 2: Evidências disponíveis e pertinentes

Autor(es), data e país

Objetivo da pesquisa

Força da evidência

Tipo de estudo e instrumentos

Principais achados

Conclusões do

autor (es)

Bernardina LD, Diccini S, Belasco AGS, Bittencourt ARC, Barbosa DA, 2008, Brasil 1

Avaliar a evolução clínica de pacientes com insuficiência renal aguda (IRA) submetidos a tratamento dialítico e não-dialítico na UTI.

Força de evidência 3. Artigo baseado em um ensaio clínico bem delineado sem randomização.

Pesquisa de campo baseada nos prontuários de pacientes internados na UTI no período de 6 meses.

Os pacientes que entraram na diálise permaneceram por mais tempo na UTI e, em sua maioria, necessitaram de controle dialítico após a alta. Não houve diferença estatística significativa quanto ao número de óbitos em relação os dois grupos.

Há multifatores que determinam a IRA em uma UTI, porém não pode ser considerada a causa isolada das elevadas taxas de mortalidade de pacientes no setor.

Broden CC, 2009,   EUA 2

Rever a anatomia e fisiologia renal, a fisiopatologia da insuficiência renal aguda e os efeitos sistêmicos da ventilação mecânica.

Força de evidência 5. Artigo baseado em autoridades respeitadas, especialistas, evidências clínicas ou estudos descritivos.

Revisão bibliográfica.

A ventilação mecânica com pressão positiva diminui o débito cardíaco e aumenta a pressão parcial de CO2, gerando uma redução do fluxo renal e consequente isquemia. Altos volumes correntes também podem levar a IR.  Acarreta aumento da permeabilidade capilar facilitando a translocação de bactérias e mediadores nefrotóxicos.

Não existe um consenso de que a ventilação com pressão positiva prejudica a função renal. Porém, a enfermagem que cuida de pacientes em ventilação mecânica deve avaliar constantemente a função pulmonar e renal para prever complicações.

 

Broscius SK, Castagnola J, 2006, EUA3

Rever a fisiopatologia da insuficiência renal (IR), as intervenções imediatas e os resultados esperados.

Força de evidência 3. Artigo baseado em um ensaio clínico bem delineado sem randomização.

Pesquisa de campo baseada em estudo de caso clínico.

No paciente com IR foram identificas muitas alterações nos sistemas renal, cardiovascular, gastrointestinal, neurológico, musculoesquelético, e equilíbrio ácido-básico, dentre outros.

É necessário, por parte da enfermagem, uma completa avaliação dos sistemas corporais de um paciente com insuficiência renal, detectando as alterações relacionadas a doença, executando as intervenções apropriadas e avaliando continuamente os resultados obtidos.

Jones MB, 2010,   EUA 4

Revisar os conceitos do equilíbrio ácido-básico e as suas causas mais comuns de desequilíbrio, evidenciando a acidose metabólica.

Força de evidência 3. Artigo baseado em um ensaio clínico bem delineado sem randomização.

Pesquisa de campo baseada no estudo de 3 casos clínicos.

Foram identificados 3 principais tipos de acidose metabólica: cetoacidose diabética, acidose lática e acidose causada por desidratação em gastroenterite aguda.

O conhecimento do equilíbrio ácido-básico, a detecção do seu desequilíbrio e a avaliação das fontes causadoras são habilidades de suma importância para a enfermagem de cuidados intensivos.

Lynch F, 2009, Inglaterra5

Identificar os pacientes que necessitam de controle da gasometria arterial, evidenciando a sua interpretação e as formas de compensação do organismo.

Força de evidência 5. Artigo baseado em autoridades respeitadas, especialistas, evidências clínicas ou estudos descritivos.

Revisão bibliográfica.

Os pacientes com colapso por causa desconhecida, dificuldade respiratória, em ventilação mecânica, com alteração do nível de consciência, ingestão de toxinas, doenças metabólicas, trauma ou choque necessitam ter sua gasometria arterial monitoradas.

Devem ser avaliados os seus dados e as formas de compensação do organismo (sistema renal, respiratório e proteínas sanguíneas).

A enfermagem deve ter uma compreensão básica da fisiologia do equilíbrio ácido-básico. Tal conhecimento permite uma melhor interpretação da gasometria arterial, um melhor relacionamento dos valores com o caso clínico do paciente e a melhoria da assistência prestada ao paciente crítico.

Picard KM, O´donoghue SC, Young-kershaw DA, Russell KJ, 2006, EUA6

Desenvolver uma equipe multidisciplinar e implementar um protocolo que permite a identificação rápida, triagem e tratamento dos pacientes sépticos.

Força de evidência 3

Artigo baseado em um ensaio clínico bem delineado sem randomização.

Pesquisa de campo utilizando um protocolo próprio chamado Multiple Urgent Sepsis Therapies (MUST).

A aplicação do protocolo permite a identificação rápida de pacientes com sepse e o precoce início das intervenções.

 

A implementação do protocolo foi bem-sucedida e houve um grande desenvolvimento e aceitação por parte do hospital, incluindo a redução do número de mortes.

Roman M, Thimothee S, Vidal JE, 2008,   EUA7

Elucidar a interpretação de uma gasometria arterial, identificando os parâmetros existentes e as formas de compensação do organismo.

Força de evidência 5. Artigo baseado em autoridades respeitadas, especialistas, evidências clínicas ou estudos descritivos.

Revisão bibliográfica.

Os dados mais importantes a serem avaliados em uma gasometria arterial são: pH, PCO2 e HCO3. Seus valores determinam acidose ou alcalose no organismo, cabendo ao sistema renal e respiratório trabalhar para garantir a homeostase do corpo.

A gasometria arterial é de grande importância para o cuidado do paciente crítico, mensurando seu equilíbrio ácido-básico e o nível de oxigenação sanguíneo.

Souza GR, Avelar MCQ, 2009,  Brasil 9

Identificar os diagnósticos de enfermagem (NANDA) básicos na assistência aos pacientes com lesão renal aguda, utilizando a técnica de Delphi.

Força de evidência 5. Artigo baseado em autoridades respeitadas, especialistas, evidências clínicas ou estudos descritivos.

Pesquisa de campo quantitativa utilizando um questionário de elaboração própria baseado na técnica de Delphi.

Foram identificados 5 diagnósticos apontados como específicos para lesão renal aguda: Débito cardíaco diminuído, perfusão tissular ineficaz: renal, volume de líquidos deficiente, volume excessivo de líquidos e risco para infecção.

É importante a identificação de diagnósticos de enfermagem voltados para a assistência ao paciente com lesão renal aguda. Isso propicia um olhar diferenciado, auxiliando na tomada de decisões e melhorando a qualidade do cuidado.

Truppel TC, Méier MJ, Calixto RC, Peruzzo AS, Crozeta K, 2009, Brasil 10

Reestruturar a sistematização da assistência de enfermagem em uma unidade de terapia intensiva utilizando a CIPE (classificação internacional para a prática de enfermagem).

Força de evidência 5. Artigo baseado em autoridades respeitadas, especialistas, evidências clínicas ou estudos descritivos.

Pesquisa de campo baseada nos prontuários de 20 pacientes internados na UTI em um período de 4 meses.

Foram identificados 29 diagnósticos de NANDA para os pacientes internados no CTI. Após a reestruturação baseada na CIPE, foram eleitos 26. O artigo trás 3 como exemplo: ventilação disfuncional, risco para aspiração e perfusão tissular do cérebro diminuída.

A sistematização e a organização do trabalho de enfermagem são imprescindíveis para uma assistência de qualidade e um cuidado com eficiência e eficácia. A adoção da CIPE favorece a tomada de decisões e a avaliação continua do cuidado prestado.

Westphal GA, Feijó J, Andrade PS, Trindade L, Suchard C, Monteiro MAG, Martins SF, Nunes F, Filho MC, 2009,

Brasil 11

Avaliar o impacto da aplicação de uma política institucional para detecção da sepse grave ou choque séptico.

Força de evidência 3. Artigo baseado em um ensaio clínico bem delineado sem randomização.

Pesquisa de campo baseada em estudo tipo antes/depois.

Foram identificados 124 pacientes com sepse grave ou choque séptico. Após a aderência do pacote de tratamento precoce observou-se a redução significativa na taxa de mortalidade no hospital.

A estratégia utilizada contribuiu para a identificação antecipada do risco de sepse ou choque séptico nos pacientes reduzindo a mortalidade.

 

Discussão

 

Conforme já evidenciado anteriormente, a manutenção do equilíbrio ácido-básico é essencial para a vida humana. Existem 3 sistemas responsáveis por esse balanço: sistema tampão, sistema renal e sistema respiratório5,4.

A maioria dos ácidos no espaço extracelular está na forma de ácido carbônico (H2CO3). Na presença da enzima anidrase carbônica ocorre a formação do ácido pela combinação do dióxido de carbono (CO2) e água (H2O) ou a sua dissociação em bicarbonato (HCO3) e hidrogênio (H+). Tal reação pode ser exemplificada pela equação abaixo4:

CO2   +   H2O   ↔   H2CO3  ↔  H+   +  HCO3-

 

            A enzima anidrase carbônica está presente principalmente nos alvéolos do pulmão e no epitélio das células tubulares renais. A formação ou dissociação do ácido carbônico é determinada pela sua quantidade no meio extracelular. Em acidose, ocorre a catalisação do ácido. Em alcalose, ocorre a sua associação4.

            O sistema respiratório é o mais ágil na correção do desequilíbrio ácido-básico, conseguindo retornar a homeostase em minutos. Os quimiorreceptores cerebrais são sensíveis a quantidade de íons de hidrogênio circulantes no sangue. O pH baixo estimula o aumento da frequência e profundidade das respirações, elevando a excreção do dióxido de carbono e impedindo a formação do ácido. O pH elevado diminui o estímulo respiratório, retendo CO2  e proporcionando a formação do ácido4,5.

            Em oposição ao sistema respiratório, o sistema renal é o mais lento para atingir o equilíbrio podendo levar horas ou dias. Os íons de hidrogênio e o bicarbonato são moléculas pequenas que passam facilmente pelos glomérulos. O controle é realizado através da sua excreção ou reabsorção, produzindo uma urina mais ácida ou mais alcalina4,5.

Na UTI, a evolução da sepse acarreta reações catastróficas e dramáticas ao pH sanguíneo e caso não seja tratada de forma adequada agrava-se rapidamente, podendo levar a morte. É comum a doença passar despercebida até seus estágios mais avançados.

Usualmente, o quadro se inicia com manifestações como febre ou hipotermia, taquicardia, taquipnéia, e leucocitose ou leucopenia. Tal conjunto de sinais e sintomas é chamado síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS). A vasodilatação generalizada ocasionada pela liberação sistêmica dos mediadores inflamatórios acarreta uma hipotensão grave que pode persistir apesar da administração vigorosa de fluidos, sendo instalado o choque séptico11.

A ativação da cascata de coagulação aumenta os fatores pró-coagulantes, reduz os fatores anticoagulantes e interfere no sistema fibrinolítico (acúmulo de fibrina nos vasos), promovendo a formação de microtrombos na circulação sanguínea. A coagulação intravascular disseminada prejudica a perfusão periférica corpórea e, progressivamente, a irrigação sanguínea dos órgãos vitais, levando a um choque distributivo e uma potencial isquemia dos órgãos6.

A hipotensão severa acarreta diminuição do débito cardíaco contribuindo ainda mais para o déficit da circulação sanguínea. A deficiência na chegada de oxigênio nas células estimula o metabolismo anaeróbico gerando excesso de lactato, um subproduto do organismo.

O lactato é um marcador universal da hipóxia tecidual. Seu valor é aproximadamente menor que 2 mmol/L5. Na sepse, sua depuração é prolongada devido a grande produção, gerando um desequilíbrio entre produção e depuração, dando origem a hiperlactatemia, também chamada de acidose lática6. Este ácido provoca um grande desequilíbrio no balanço ácido-básico do paciente, diminuindo gravemente o pH sanguíneo.

            Outro fator de grande interferência no equilíbrio ácido-básico dos pacientes em choque séptico é a lesão renal aguda (IRA). Os rins recebem 25% do sangue bombeado pelo coração. A deficiência na perfusão dos órgãos, o débito cardíaco diminuído e a liberação de citocinas pró-inflamatórias frequentemente afetam o sistema renal1,2,9,11, reduzindo ou paralisando a função dos rins, devido a ação isquêmica e nefrotóxica.

            A redução abrupta da taxa de filtração glomerular resulta na inabilidade dos rins em excretar os resíduos do corpo humano, manter o equilíbrio ácido-básico e controlar o balanço hidroeletrolítico do corpo1.

Com a acidose já instalada pelo lactato, a insuficiência renal impede que os túbulos renais possam excretar os íons de hidrogênio e reter os íons de bicarbonato, a fim de manter a homeostase do organismo, colaborando ainda mais com a diminuição do pH. Na maioria das vezes, os pacientes em choque séptico necessitam de hemodiálise na tentativa de corrigir o equilíbrio ácido-básico3.

            Outro sistema que também se encontra alterado no choque séptico é o respiratório. A hipoperfusão e as citocinas circulantes no sangue afetam os pulmões, sendo parte do protocolo para tratamento da sepse o uso de ventilação mecânica para proteção das vias aéreas6.

A prótese ventilatória comanda as incursões respiratórias impedindo a ação dos quimiorreceptores cerebrais no pulmão. Nestes casos, a compensação deve ser feita manualmente no ventilador mecânico pela equipe de saúde. Aumenta-se a frequência e a profundidade das respirações, na tentativa de elevar a excreção do dióxido de carbono e diminuir a formação do ácido carbônico, consequentemente colaborando para a diminuição do pH sanguíneo também.

 

Sugestões para a prática da enfermeira

 

A enfermagem possui fundamental importância em um centro de tratamento intensivo, principalmente no monitoramento do paciente em choque séptico e no gerenciamento do equilíbrio ácido-básico (P). É necessário ter sempre em mente a gravidade da doença e o alto risco de mortalidade causado pela alteração do pH sanguíneo.

A literatura selecionada para o desenvolvimento desde trabalho trás poucas intervenções de enfermagem específicas para o gerenciamento do equilíbrio ácido-básico (I). A grande maioria baseia-se na fisiologia do pH e suas alterações. As atividades de enfermagem evidenciadas, apesar de importantes, não se tratam de inovações, apenas ratificam procedimentos que já fazem parte da prática do enfermeiro em uma unidade de terapia intensiva. Elas possuem o objetivo de auxiliar o corpo humano a atingir níveis de gases arteriais, ácidos e bases dentro dos parâmetros de normalidade (O).

 Duas das intervenções citadas nos artigos encontrados é o controle da diurese e o rígido balanço hídrico3.

Conforme já colocado anteriormente, a insuficiência renal aguda é muito frequente no choque séptico, sendo necessário a sua detecção precoce para início do tratamento. Todo líquido infundido por via parenteral e oral deve ser quantificado, inclusive as medicações, e, em seguida, subtraído o valor das eliminações (diurese, fezes, vômitos e suor entre outras). O resultado indica um balanço positivo (maior entrada) ou um balanço negativo (maior saída). A anotação do volume urinário, volume de entrada e volume de saída são atividades que podem ser delegadas os técnicos de enfermagem, porém, o cálculo do balanço hídrico é atividade exclusiva do enfermeiro.

Outra intervenção valiosa amplamente discutida nas literaturas encontradas é a gasometria arterial3,5,7,10, através dela é possível um controle eficaz e baseado em evidência do equilíbrio ácido-básico e oxigenação do paciente crítico.

É importante levar em consideração que se trata de um procedimento doloroso e necessita de critérios para utilização. Sua execução é exclusiva do enfermeiro (dentro da área de enfermagem), não devendo ser delegada a técnicos ou auxiliares.

  A enfermeira deve conhecer bem a fisiologia do pH humano para saber interpretar os valores, traçar condutas para a assistência e reavaliar periodicamente os resultados5.

A gasometria arterial pode ser colhida nas artérias braquial, radial e femoral. Na maioria dos casos, dar-se preferência a artéria radial devido sua facilidade de compressão e coagulação. Antes da realização da coleta é necessário a realização do teste de Allen para verificar o suprimento sanguíneo da mão. Pede-se ao paciente que abra e feche a mão vigorosamente, depois de haver localizado e comprimido os pulsos radial e ulnar. Após aparecer a palidez palmar, com a mão do paciente estendida, libera-se a compressão ulnar, e registra-se o tempo necessário para que reapareça a coloração habitual. Esta deve acontecer de 3 a 5 segundos, correspondendo a uma oxigenação adequada. O teste deve ser repetido com a liberação da artéria radial7.

Na avaliação da gasometria arterial, 3 componentes são de fundamental importância, o pH, o PaCO2 (pressão parcial de dióxido de carbono) e HCO3- (bicarbonato). Os valores dos mesmos podem variar de acordo com o quadro 3 abaixo7:

 

                     Quadro 3: Parâmetros da gasometria arterial

Índice

Valores

pH

7,35 – 7,45

PaCO2

35 – 45 mmHg

HCO3-

22 – 26 mEq/L

 

O primeiro valor a ser observado deve ser o pH sanguíneo, determinando acidose ou alcalose. Em seguida deve ser observado o valor do PaCO2, indicando se o distúrbio é respiratório. Por último, o valor do HCO3- demonstra se a alteração é metabólica. O quadro 4 abaixo exemplifica as possíveis interpretações de gasometrias arteriais:

 

                  Quadro 4: Possíveis interpretações da gasometria arterial

Resultado

pH

PCO2

HCO3-

Acidose respiratória

Diminuído

Aumentado

Normal

Alcalose respiratória

Aumentado

Diminuído

Normal

Acidose metabólica

Diminuído

Normal

Diminuído

Alcalose metabólica

Aumentado

Normal

Aumentado

 

 

A gasometria também pode ser colhida na linha arterial de pacientes que estão em uso de pressão arterial média. Após a coleta o sistema deve ser lavado com solução de soro fisiológico 0,9% ou solução heparinizada5.


Conclusão

 

Durante a construção deste artigo foi compreendido que o equilíbrio ácido-básico é parte fundamental para o funcionamento do organismo humano. Seu desequilíbrio pode levar a morte em apenas algumas horas. 

O enfermeiro intensivista deve ser capaz de compreender a fisiologia do pH sanguíneo identificando as anormalidades, relacionando os valores com a condição clínica do paciente, traçando condutas específicas e avaliando os resultados obtidos constantemente.

Na presença da sepse, doença muito comum em pacientes na unidade de terapia intensiva, o desequilíbrio na homeostase do sistema ácido-básico é devastador, levando a uma acidose grave e mortal apesar dos avanços nas terapias e tratamentos.

Como atividades importantes na assistência de enfermagem para o controle do pH na sepse foram evidenciadas o controle da diurese, a realização do balanço hídrico e a coleta da gasometria arterial.

A identificação precoce do choque, o controle do foco infeccioso, a manutenção da perfusão tecidual e a manutenção do equilíbrio ácido-básico do paciente séptico, evitam o desenvolvimento da disfunção múltipla dos órgãos, resultando na diminuição da mortalidade.

É esperado com este trabalho que o enfermeiro tenha obtido conhecimento e habilidades para prestar uma assistência segura, de qualidade e baseada em evidências científicas durante a prática cotidiana com os pacientes portadores de distúrbios ácido-básicos.  O cuidado de enfermagem eficaz neste tipo de paciente, permite ao corpo humano atingir os níveis ideais de gases arteriais, ácidos e bases, auxiliando na manutenção da vida.

É necessário também um melhor empenho dos profissionais em busca de novas tecnologias e procedimentos para o controle do pH, gerando um maior numero de publicações científicas de enfermagem a cerca do assunto. Tais estudos nos permitem prestar uma assistência eficiente e embasada cientificamente ao paciente.

Referências

 

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