Journal of Specialized Nursing Care

O filme Sicko, de Michael Moore, e algumas considerações gerais sobre os Sistemas de Saúde

Isabel CF da Cruz

 

Breve descrição do contexto

O filme Sicko, de Michael Moore, é um documentário de 113 min de duração, lançado em 2007, com a participação de próprio diretor, Michael Moore. No filme é apresentado um paralelo entre o sistema de saúde americano com o de outros países no mesmo patamar de desenvolvimento econômico, tais como Inglaterra e França. O contraponto ao sistema capitalista é a apresentação do sistema de saúde de um país comunista: Cuba.

Ao longo do documentário revela-se que os Estados Unidos ao não optarem pelo “welfare state”, ou seja, pela seguridade social enquanto uma política de Estado, o país que optou pelo “Estado mínimo” deixou literalmente à própria sorte não só os pobres, mas também a classe média que não é capaz de cobrir não com os custos da saúde dados por uma indústria de serviços de saúde sem regulação.

Descrição do problema:

O problema que está sempre presente em todas as sociedades é se o acesso universal ao sistema de saúde é uma opção de Estado viável. Mesmo quando adotado, o sistema universal vive sob constantes críticas. Mesmo quando bem sucedido, o sistema universal não é “copiado” de imediato pelos países. Todavia, os custos com os cuidados médicos são cada vez maiores e também está cada vez mais difícil para as pessoas, individual ou coletivamente, arcarem com as despesas.

Independente do modelo de gestão do sistema de saúde, as pessoas precisam de cuidados médicos em tempo e também precisam ter a tranqüilidade de saber que caso venham a necessitar de cuidados médicos vão recebê-los em tempo, independente de sua condição social, classe, gênero, etc.

Para construir uma melhor compreensão no nosso sistema de saúde, nada melhor do que conhecer outros sistemas. Assim, ainda que de forma superficial, este texto, a partir do filme de Michael Moore, busca responder a pergunta: quais as diretrizes gerais dos sistemas de saúde de países como os Estados Unidos, Cuba, Canadá, entre outros?

Processo de obter dados:

As buscas não foram limitadas por data de publicação ou quaisquer outras restrições. Foram realizadas nas bases bibliográficas PUBMED (full free texts) e Scielo com os seguintes termos: health care reform, assistência domiciliar, health care AND Canadá, health care AND France.

Complementarmente, utilizou-se o mecanismo de busca do Google na Internet com os termos [“assistência domiciliar” “medicare” “medicaid”] para a busca de artigos publicados em bancos de teses e dissertações e de revistas latino-americanas não indexadas nas bases anteriores. Finalmente, a bibliografia de cada estudo selecionado foi avaliada de acordo com a pertinência quanto ao tema.

Análise e interpretação:

Para melhor compreensão sobre o sistema de saúde americano criticado no filme, consideramos necessário identificar qual tipo de população o Medicare e o Medicaid atende e os seus critérios mais gerais.

Segundo RIBEIRO et al (2008), nos Estados Unidos, o Medicare é financiado pelo governo federal e voltado para a população acima de 65 anos de idade e incapacitados permanentes. Há co-participação financeira dos associados (elegíveis) conforme o padrão de utilização dos serviços. A cobertura hospitalar representa um direito obtido mediante pagamentos pelos trabalhadores assalariados para o seguro social.

No que se refere aos demais serviços de saúde, o grupo formado pelas despesas com médicos, tratamento extra-hospitalar, entre outros, é coberto por prêmios mensais dos associados e aportes federais anuais. As despesas médicas geram abatimentos fiscais.

Os médicos podem cobrar dos pacientes no Medicare acima da tabela negociada e muitos beneficiários compram seguros complementares para cobrir estes gastos adicionais, cujas despesas geram também abatimentos fiscais.

Por sua vez, o Medicaid, focalizado na população de baixa renda (crianças, pais de menores, gestantes, deficientes físicos ou idosos [IGLEHART (2011]), definida por testes de capacidade financeira, é financiado e administrado pelos governos estaduais (com participação financeira federal). Como os Estados Unidos é relamente uma república federativa, os critérios de elegibilidade e padrão de implementação diferem bastante entre os estados, gerando variadas formas de organização e acesso aos serviços. No Medicaid, os médicos credenciados não costumam cobrar acima de tabelas pré-estabelecidas.

Quanto às ações de saúde que possuem financiamento público nos Estados Unidos da América, ainda segundo RIBEIRO et al (2008), os programas públicos estão concentrados principalmente no sistema Medicare-Medicaid. Todavia, há programas nacionais dirigidos a grupos populacionais específicos, tais como veteranos das Forças Armadas , populações indígenas e crianças de famílias pobres que não se enquadram nas exigências do Medicaid.

O sistema Medicare-Medicaid não oferece cobertura para uma parcela significativa da população americana. No sentido de corrigir este grave problema de saúde pública o presidente Barack Obama propôs uma reforma no sistema de saúde.

Porém, em que pese a importância dos Estados Unidos no contexto mundial, poucos periódicos científicos se dignaram a publicar avaliações sobre a reforma de saúde proposta. Talvez porque, no fundo, só tenha sido feita mesmo uma reforma e não uma revolução no sistema de saúde americano.

Com base no artigo de IGLEHART (2011), a Reforma da Saúde (Patient Protection and Affordable Care Act [ACA]) pretende tornar 16 milhões de americanos de baixa renda cobertos pelo Medicaid, a partir de 2014 (total de 84 milhões de americanos), tornando a assistência médica mais barata e impor regras mais rígidas às seguradoras. Cabe observar que o ACA depende ainda das votações de orçamento e da correção do déficit público pelo Congresso americano.

Na investigação sobre os sistemas de saúde, vimos que no filme Sicko há um destaque para o modelo médico em casa francês.

Na França, segundo GREEN et al (2001), a pessoa pode escolher entre chamar o Service d’Aide Médicale Urgente (SAMU) (serviço prestado por paramédicos altamente treinados) ou the pompiers-médicaux (primeiros Socorro de emergência). De certo modo cabe à pessoa discernir sobre a gravidade da situação para chamar um ou outro serviço.

Quanto ao BRASIL (2011), a assistência domiciliar se dará pelo programa Rede Saúde Toda Hora com as seguintes ações:

- Melhor em Casa dirigido para pessoas com necessidade de reabilitação motora, idosos, pacientes crônicos sem agravamento ou em situação pós-cirúrgica, por exemplo, terão agora assistência multiprofissional gratuita em seus lares, com cuidados mais próximos da família.

- Samu 192: O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) realiza o atendimento de urgência e emergência em qualquer lugar: residências, locais de trabalho e vias públicas. O socorro começa com a chamada gratuita, feita para o telefone 192. A ligação é atendida por técnicos que identificam a emergência e transferem o telefonema para um médico, que faz o diagnóstico da situação e inicia o atendimento no mesmo instante, orientando o paciente, ou a pessoa que fez a chamada, sobre as primeiras ações.

Ao contrastar os sistemas de saúde, vimos que no filme Sicko cita a forma de construção do Sistema de Saúde Canadense e sua origem. Tendo em vista que foi talvez um dos primeiros sistemas universais de acesso à saúde estabelecido, cabe aqui descrever um pouco de sua constituição.

Segundo ANDRADE et al (2010), o Canadá tem um sistema de assistência de saúde predominantemente financiado pelo setor público e dispensado pelo setor privado. É constituído pela interação de dez planos de seguro-saúde provinciais e três territoriais que por sua vez estão coligados ao sistema nacional: o Medicare.

O Medicare canadense, uma determinação constitucional, fornece acesso a uma cobertura universal e abrangente de serviços médico-hospitalares internos e externos clinicamente necessários, por meio da fixação e administração de princípios ou normas nacionais do sistema de assistência médica, principalmente (Canada Health Act) às províncias e territórios. Cabe às províncias e territórios planejar, financiar e avaliar a prestação da assistência médica bem como de outros serviços correlatos.

Em CANADA (sd) vemos que antes do fim dos anos 40, a medicina privada dominou a assistência médica canadiana. A tendência para o seguro de saúde financiado publicamente começou em 1947, quando a província de Saskatchewan introduziu um plano de seguro público para os serviços hospitalares (BISOTO JR et al, 2006).

Em 1961, o Governo Canadense já havia obtido de todas as dez províncias e dos dois territórios a celebração de acordos para estabelecer planos de seguro público com cobertura universal.

Em 1968, o Governo Canadense promulgou legislação sobre a sua co-participação no custo dos serviços provinciais de assistência médica.

Todavia, em 1979, uma revisão dos serviços de saúde pela Comissão Hall detectou que a cobrança complementar pelos médicos aos pacientes e as taxas de usuário impostas pelos hospitais ameaçavam a acessibilidade ao sistema de saúde.

Em resposta ao relatório da Comissão Hall, o Governo Canadense reafirmou o seu empenho num sistema de seguro de saúde universal acessível, polivalente, transferível e publicamente administrado. Assim, em 1984, o Parlamento do Canadá promulgou o Canada Health Act. Para desencorajar as taxas de usuário e a cobrança complementar, com sanções compulsórias numa base de dólar por dólar, a deduzir das transferências de pagamentos federais às províncias e territórios.

Considerações finais

Com base no filme, constatamos que os sistemas de saúde baseados em seguridade social são o inglês, francês e cubano. O sistema baseado em seguro social é fundamentalmente o sistema americano de saúde. Os sistemas de saúde nacionais totalmente público são os sistemas cubano e inglês, enquanto que o sistema francês de saúde é predominantemente público, mas também faz uso de serviços privados.

O sistema predominantemente privado é o sistema americano de saúde e o filme demonstra bem o quanto este modelo de gerência causa mal às pessoas individualmente e à sociedade como um todo.

Referências

ANDRADE, EM et al. O SUS e o direito à saúde do brasileiro: leitura de seus princípios, com ênfase na universalidade da cobertura.. Revista Bioética 2010; 18 (1): 61 – 74. Disponível em http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/viewFile/536/522

BISOTO JR, G et al Regulação do setor saúde nas Américas: as relações entre o público e o privado numa abordagem sistêmica.. - Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2006. Disponível em http://www.opas.org.br/servico/arquivos/Sala5573.pdf 

BRASIL. SUS amplia atendimento médico domiciliar. 2011. Disponível em http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/11/08/sus-amplia-atendimento-medico-domiciliar

CANADÁ. O Sistema de Cuidados de Saúde do Canadá. Sd. Disponível em http://dsp-psd.pwgsc.gc.ca/Collection/H39-502-1999Por.pdf

GREEN, DG et al Health Care in France and Germany: Lessons for the UK. Civitas: Institute for the Study of Civil Society, London, 2011. Disponível em http://www.civitas.org.uk/pdf/cs17.pdf 

IGLEHART, JK Medicaid at a Crossroads. N Engl J Med 2011; 364:1585-1587. Disponível em http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp1103305

RIBEIRO, José Mendes et al . Procedimentos e percepções de profissionais e grupos atuantes em mercados de planos de saúde no Brasil. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro,  v. 13,  n. 5, Oct.  2008 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232008000500013&lng=en&nrm=iso>. access on  03  Dec.  2011.  http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232008000500013.





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