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Audiência Pública:“(Morbi)Mortalidade Materna e o Impacto Sobre as Mulheres Negras”- estudo de caso sobre iniquidade étnico-racial no SUS

 

Isabel Cruz[1]

 

. Breve descrição do contexto:

A mortalidade materna é uma perda evitável. É um evento sentinela que indica má qualidade da assistência à saúde prestada para a população como um todo. Contudo, em matéria publicada no site da BBC-Brasil[1], a diretora do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde, advertiu que o Brasil não chegará à meta da OMS de 35/100 mil. Avalia ainda que a redução até o patamar atual de 62/100 mil é atribuída à melhoria do sistema, da qualidade da informação, de equipes fortalecidas dentro do hospital e de um pré-natal melhor.

Em que pese as evidências científicas sobre as intervenções efetivas e de baixo custo para a redução das mortes maternas preveníveis[2], o contexto apresentado pelo Ministério da Saúde não é favorável para as mulheres brasileiras de qualquer cor ou etnia. Então, o que esperar do MS para a redução da morte materna em mulheres negras, tendo em vista o que preconiza a PNSIPN?

Audiência PúblicaNo sentido de buscar resposta a esta e outras perguntas sobre saúde e mulher, foi proposta mais esta Audiência Pública (Figura 1), em 09/06/2015, convocada pela Deputada Benedita da Silva, Presidenta da Subcomissão Especial das Políticas de Assistência Social e Saúde da População Negra, e pela Deputada Rosangela Gomes que é Procuradora Adjunta da Secretaria da Mulher com a colaboração da Coordenadora da Bancada Feminina da Câmara dos Deputados, Deputada Dâmina Pereira, da Procuradora da Mulher da Câmara dos Deputados, Deputada Elcione Barbalho,  e da Procuradora Especial da Mulher do Senado Federal, Senadora Vanessa Grazziotin. A Audiência teve como expositoras Doutora Jurema Werneck (Organização CRIOLA - Na Luta pela Mulher Negra), Doutora Alaerte Leandro Martins (Articulação Nacional de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras - ANMB), Rurany Ester (Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República), Larissa Amorim Borges (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR), Maria Esther Vilela (Ministério da Saúde) e eu.

Ainda que o tema seja Mortalidade Materna, considero oportuno ampliar a discussão para incluir a Morbidade Materna pois se refere a eventos ou doenças não mortais[3] e que podem apresentar grande demanda em serviços de saúde em diversos níveis do SUS, assim como os serviços previdenciários.

. Descrição do problema:

Œ Observe a cena, ou melhor, o gráfico:

 RMM x escolaridade

Figura 2 RMM x escolaridade. IMG: http://arquivos.proderj.rj.gov.br/cedim_imagens/SCSEditaImprensa/arquivos/uploads/Apresentacao%20Comite.pdf


Salvo melhor juízo, muitos pesquisadores brasileiros geralmente interpretam este gráfico (Figura 2[4]) sobre a RMM no Rio[5], e outros semelhantes, afirmando que as desigualdades raciais no adoecimento têm origem social, atingindo as pessoas com menor renda e baixa escolaridade[6]. Outros ainda julgam que pesquisas que apresentam os dados desagregados por raça/cor têm risco de acirrar as divisões sociais no Brasil. Há também quem alegue que não há necessidade de implantação da PNSIPN por reduzí-la a “programas de saúde específicos voltados exclusivamente para pardos e pretos[7]”.

Entretanto, a observação atenta dos dados mostrados no gráfico em comparação com a interpretação de que há apenas uma origem social para o fenômeno revela uma incongruência. Porque o que está acontecendo aqui é ...

 Observe a cena & infira

Segundo um ditado popular, o diabo mora nos detalhes, observe o gráfico mais atentamente.

RMM escolaridade (racismo institucional explícito)

Uma evidência científica forte[8] mostrou que, no Brasil, embora haja queda da RMM, a mortalidade materna prevenível continua acontecendo de forma diferenciada também por cor da pele e escolaridade.

A disparidade étnico-racial na (des)atenção à saúde das mulheres mantêm-se mesmo nos extratos sociais com maior escolaridade!

É sabido que quanto mais alta a escolaridade da pessoa maior será o nível de cognição, saúde e bem-estar. Porém, conforme se nota no gráfico acima, para a mulher negra nem a alta escolarização a protege do cuidado de saúde iatrogênico devido ao viés étnico-racial dentro do SUS.

Portanto, o que o gráfico expõe é o racismo institucional do SUS.

O racismo institucional no SUS é denunciado pelos dados epidemiológicos desagregados por raça/cor (efeito do cuidado), somatórios das relações entre profissional de saúde e cliente que são causa ou origem da iniquidade (padrão de cuidado de saúde iatrogênico por viés étnico-racial). Veja o infográfico a seguir.

RI começa e termina no ponto do cuidado

Figura 3 RI & RMM por Isabel Cruz, 2015

 

Todavia, devemos também dar adeus à ilusão de que apenas a identificação de iniquidades étnico-raciais em saúde, ou seja, tratamentos diferentes por causa da cor pela mesma instituição de saúde, é o suficiente para abalar as estruturas do racismo institucional. Por exemplo, uma publicação, de 2012, do Ministério da Saúde, Síntese de evidências para políticas de saúde: mortalidade perinatal[9] nem menciona as diferenças étnico-raciais nas taxas de mortalidade materna, em que pese a PNSIPN estar aprovada no Ministério da Saúde desde 2006 e este tema, em especial, ser um dos mais debatidos na área da saúde graças ao intenso trabalho do Movimento Social.

Porém, ainda que o Ministério da Saúde postergue a implantação da PNSIPN, é preciso que criemos um “indicador provisório de equidade étnico-racial (PNSIPN) ” para denunciar objetivamente situações de iniquidades e tendências que demandam ações e estudos específicos.

Para ajudar no debate desta Audiência Pública, sugiro um indicador provisório de resultado no SUS para a população negra:

indicador % (ou proporção) de pret@s e pard@s atendid@s, comparados com branc@s, no programa X e com taxa de sucesso (resolutividade) maior ou igual a 80%




Como aplicar este indicador para prevenção da morbi-mortalidade materna?

Um breve exercício:

Estudo de Caso: Na cidade de Niterói-RJ[10], o percentual de mulheres com sete ou mais consultas se manteve acima de 80%, com diferenças de acordo com idade, escolaridade e cor da pele. Tiveram mais chances de pré-natal adequado: adultas; com oito anos ou mais de estudo; e brancas.

Análise: Muito provavelmente o % de mulheres pretas e pardas gestantes cadastradas pela Unidade de Saúde em relação ao número estimado de gestantes na área e no mesmo período foi inferior à 43% (captação média)[11]. Consequentemente, em princípio, o indicador relativo ao número preconizado de consultas será afetado porque a média de atendimentos será baixa em razão de, muito provavelmente, a captação de gestantes (principalmente as negras) ter sido também baixa (denominador). Pode-se, por este caso, antecipar que para avaliação do grau de qualidade do pré-natal em relação à morbi-mortalidade de mulheres negras serão necessários indicadores de processo (comunicação terapêutica, por exemplo)

Ação: O pressuposto é que a gestão da saúde baseia-se em evidência científica. Assim, o gestor de saúde de Niterói, com base no nosso “indicador de equidade étnico-racial” e em acordo com a PNSIPN, deverá elaborar um plano de ação para reduzir esta iniquidade étnico-racial, revisando o plano estratégico da rede Cegonha de modo a incluir meta, indicador e atividade do Plano Operativo da PNSIPN previstos para redução da mortalidade materna, como também instituindo a busca ativa de gestantes negras. O gestor, por entender que o cuidado deve ser centrado na pessoa e reconhecer que o racismo institucional é uma barreira ao SUS, poderá estabelecer, dentre as medidas de sucesso do plano, por exemplo, % de mulheres pretas e pardas que relatam comunicação terapêutica com @ profissional de saúde[12].

. Quanto a mortalidade materna de mulheres compromete o capital social e monetário da população negra?

O conceito de "capital social" ajuda a entender porque as desigualdades em saúde se manifestam e como elas podem ser mais bem enfrentadas, com justiça social e solidariedade[13]. Neste estudo, o conceito de capital social é útil para entender o impacto da morte materna de mulheres negras tendo em vista que, para a cultura afrobrasileira, o cooperativismo/comunitarismo é um valor. Não existe cultura negra sem coletivo em cooperação e comunidade. Consequentemente, cada morte materna evitável de mulheres negras dilapida o capital social das famílias e da comunidade da vítima, em particular, e da sociedade como um todo.

Menor capital social, maior vulnerabilidade. A prevalência da elevada mortalidade materna de mulheres negras indica a existência de barreiras étnico-raciais no acesso ao SUS as quais nem os interesses comuns e compartilhados das comunidades negras adstritas às Unidades de Saúde são capazes de superar. Este argumento é reforçado pela pesquisa de Cardoso et al[14], na qual chama a atenção o fato de as mulheres que foram a óbito por razões maternas serem residentes em bairros próximos à unidade de saúde.

O capital econômico também ajuda a entender o impacto da mortalidade materna de mulheres negras na renda familiar. Uma pesquisa divulgada pela OMS[15] compara os custos diretos, indiretos e o impacto econômico entre as famílias que vivenciaram a morte materna e aquelas sem morte materna (sucesso perinatal), na área rural da China. A pesquisa mostrou que os custos diretos para uma família com morte materna são da ordem de US$ 4.119 enquanto que para uma família sem morte materna, a experiência perinatal tem um custo direto de US$ 370. Um impacto econômico (e psicossocial) imenso para as famílias enquanto que a prestação do cuidado de saúde efetivo, na avaliação da OMS[16], para prevenir 113.000 mortes maternas/ano no mundo até 2020 precisaria de um investimento anual ao custo de US$·9 por pessoa!

No caso do Brasil, com seu desenvolvimento econômico e seu sistema de saúde estruturado, a redução da mortalidade perinatal causaria, conforme estudo da OMS[17], um aumento do Produto Interno Bruto (PIB).

Ambos os custos, diretos e indiretos, em razão da morte evitável de uma pessoa dentro do Sistema Único de Saúde por ineficiência e má gestão do setor saúde, são um ônus para toda a sociedade e a este ônus devemos acrescentar a indenização às vítimas (near miss) ou aos familiares das mulheres mortas.

. Medidas chave para a mudança: ação do Poder Legislativo na redução da morbi-mortalidade materna de mulheres negras

Com base nas evidências e nas políticas públicas já aprovadas, é preciso garantir a gestão efetiva destas políticas e de seus recursos de modo que se garanta o aumento da expectativa de vida da mulher negra, a redução da pobreza e da dor psicossocial vivenciada pelas famílias enlutadas, bem como o ônus causado à Previdência Pública e ao SUS por estas mortes evitáveis.

Dentre as políticas públicas executadas pelo Poder Executivo de interesse para redução da mortalidade materna de mulheres negras, destaca-se a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra – PNSIPN (Lei no. 12.288, de 20 de julho de 2010). A PNSIPN é um marco no reconhecimento pela sociedade brasileira quanto à existência de iniquidades étnico-raciais na prestação do cuidado em todos os níveis da atenção à saúde no SUS.

Contudo, mesmo diante das evidências científicas sobre iniquidades étnico-raciais na mortalidade materna de mulheres negras & brancas, o Poder Executivo posterga a implantação da PNSIPN e, assim, mantém as complexas operações do racismo institucional no SUS, igualmente compromete as ações de prevenção da morbimortalidade perinatal.

Ressalta-se que o papel constitucional do Poder Legislativo é fiscalizar o Poder Executivo. As ações e omissões do Poder Executivo relativas à iniquidade étnico-racial na taxa de mortalidade materna devem ser, salvo melhor juízo, fiscalizadas pelo Poder Legislativo em base regular.

A iniquidade étnico racial na taxa de mortalidade materna entre mulheres negras (pretas & pardas) e brancas é um fato para o qual o Poder Legislativo deve requerer informação ao Ministro da Saúde sobre as razões de não implantar a PNSIPN, optando por manter inalterado o racismo institucional.

Para o efetivo exercício da fiscalização são necessários dados e informações. Uma vez que as estatísticas de mortalidade são bastante utilizadas para o monitoramento de saúde pública bem como no planejamento e avaliação da atenção à saúde, o Poder Legislativo deve requerer informação ao Ministro da Saúde sobre a mortalidade materna de mulheres negras (pretas & pardas X brancas) por causa preveníveis, em base regular, mensalmente, por exemplo (afinal, é de preservação de vidas que estamos tratando!).

Além disso, por entender igualmente que a mortalidade materna é um incidente crítico (evento sentinela) e que para avançar na sua prevenção é necessário monitorar os dados de Morbidade Materna em especial porque a morbidade se refere a eventos ou doenças não mortais e que podem apresentar grande demanda em serviços de saúde e previdenciários, o Poder Legislativo deve requerer informação ao Ministro da Saúde sobre os dados de morbidade materna desagregados por raça/cor (pretas & pardas X brancas), entre outras categorias de vulnerabilidade social (capacidade física, orientação sexual, etc), em base regular, trimestralmente, por exemplo.

Inclusive, em razão da elevada e desigual taxa de morte materna em mulheres negras ser decorrente do racismo institucional no SUS e implicar em maior carga para a seguridade social, o Poder Legislativo Federal deve requerer informação ao Ministro da Saúde sobre as tendências nos resultados da atenção à saúde da população negra, assim como os anos potenciais de vida perdidos (APVP) na população negra (pret@s & pard@s) em comparação ao grupo populacional hegemônico. No caso das mulheres negras em idade reprodutiva, incluir informações sobre o APV por incapacidade[18]. 

E, caso não obtenha resposta, ou obtenha de forma insatisfatória, acusar o Ministro da Saúde de crime de responsabilidade.

Isto porque, cabe sempre lembrar, a (morbi)mortalidade materna de mulheres negras é uma questão interdisciplinar e multissetorial. Portanto, para sua prevenção e redução é preciso planejar, implementar, monitorar e avaliar ações com vários setores da esfera de governo além do setor saúde. Por exemplo, o Poder Legislativo deve requerer informação ao Ministro da Previdência Social sobre a situação de seguridade das famílias de mulheres mortas no período perinatal por causas evitáveis, bem como deve solicitar Ministro da Educação informações sobre a prevenção da gestação em adolescentes ou para a prevenção da morte perinatal em adolescentes.

O Poder Legislativo, com base nas evidências científicas sobre iniquidades étnico-raciais na mortalidade materna de mulheres negras, pode pedir apuração destas iniquidades no âmbito da administração pública do SUS, tendo em vista o que foi pactuado no(s) Plano(s) Operativo(s) da PNSIPN, especificamente, mas não apenas.

O Poder Legislativo, com base nas evidências científicas sobre iniquidades étnico-raciais na mortalidade materna de mulheres negras, pode por meio de sua Comissão de Fiscalização Financeira e Controle acompanhar e realizar a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da instância responsável pela gestão da PNSIPN, bem como de outras agências cujas ações têm impacto sobre a mortalidade materna de mulheres negras.

Por conseguinte, para a desconstrução do racismo institucional (RI) no SUS e, principalmente, para acelerar a redução da morbi-mortalidade materna de mulheres negras é a ação fiscalizadora sistemática do Poder Legislativo, em base regular, em todas as esferas de governo, inclusive.

. Estratégias para mudanças:

Iniciativa: A intensificação da ação fiscalizadora do Poder Legislativo sobre a morbi-mortalidade materna de mulheres negras baseia-se na execução de estratégias correlatas para seu sucesso.

Desde 2009, temos uma Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), mas não uma agência com a responsabilidade de sua implantação, monitoramento e avaliação nas instituições de saúde em todos os níveis do SUS[19], assim como formular e liderar as ações que considerem a dimensão étnico-racial nas ações de saúde, visando redução das iniqüidades e disparidades étnicas em saúde.

Estratégia:

Criação da instância de gestão da política no Gabinete do Ministério da Saúde[20], SES e SMS

Iniciativa: A redução da mortalidade materna possuía uma única ação prevista para o período 2010-2011 no I Plano Operativo da PNSIPN, com recursos da ordem de R$1.350.000 para capacitação de profissionais de saúde com enfoque étnico-racial. O lançamento do curso online Saúde da População Negra[21], em 2014 não é suficiente. E esta ação isoladamente não basta para reduzir a mortalidade materna das mulheres negras a um nível ao menos equivalente a taxa brasileira, em 2005: 110/100 mil nascidos vivos.

O II Plano Operativo (2013-2015) da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra pactuou a redução da mortalidade materna de mulheres negras em 5 pontos percentuais, ao ano, para diminuir a diferença total entre estas e as mulheres brancas, até 2015, de acordo com protocolo específico proposto pela Rede Cegonha. Contudo, é preciso avançar rápido no sentido da prevenção da mortalidade e da morbidade com a mobilização de recursos materiais, humanos e financeiros para sua consecução.

Estratégias:

Acompanhar e realizar a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Plano Operativo da PNSIPN e da instância responsável pela gestão da PNSIPN pelo Poder Legislativo (Comissão de Fiscalização Financeira e Controle)

Sugerir ao Ministério da Saúde para aumentar % de mulheres pretas & pardas atendidas no SUS (versus mulheres brancas).

Sugerir ao Ministério da Saúde para aumentar % de mulheres pretas & pardas e com taxa de sucesso (resolutividade) maior ou igual a 80% (versus mulheres brancas).

Sugerir ao Ministério da Saúde para incluir, nas linhas de cuidado do SUS, a categoria raça/cor na estratificação de risco de morte materna[22]

. Próximos passos:

Ž Observe a cena & aja

RMM x escolaridade (racismo Institucional explícito)

  • Uma vez que identificamos o racismo institucional no SUS ...

Também na área da saúde é anti-ético fazer um diagnóstico e não propor uma terapêutica para @ paciente. Paralelamente, quando denunciamos o racismo institucional no SUS, um poderoso determinante social do processo saúde-doença da população negra, temos por dever de ofício, ao menos, enfrentá-lo e desconstruí-lo nas instituições de saúde.

Neste sentido, no que se refere às iniquidades étnico-raciais identificadas nas taxas de morbi-mortalidade de mulheres negras, sintetizamos algumas evidências e recomendações para a desconstrução do RI no SUS.

Sumário de evidências sobre Saúde da População Negra e Direitos Humanos: há impacto das políticas públicas sobre as práticas de direitos humanos, igualmente os impactos na saúde da população negra resultam de violações de direitos humanos[23]. Portanto, a saúde é um direito e, no caso da população negra, a PNSIPN, é o caminho[24]. O conhecimento construído com dados e evidências sobre a influência do racismo institucional nas taxas de morbi-mortalidade materna deve servir para a efetivação do sistema de direitos e suas garantias das mulheres (e familiares)[25].

Recomendação: o Poder Legislativo além de seu papel fiscalizador do executivo pode estabelecer parcerias com o Ministério Público (Direitos do Cidadão) visando sensibilizar as promotorias de justiça quanto as estratégias para instauração de inquérito (com dados desagregados raça/cor) e a consequente ação civil pública pela defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais das mulheres negras e suas famílias quanto à prevenção das iniquidades étnico-raciais e da morte por causas evitáveis, bem como ao cuidado de saúde baseado em evidências científicas[26].

Sumário de evidências sobre ações para descontrução do RI no ponto do cuidado de saúde: o empoderamento da mulher negra e sua participação no processo de tomada de decisão clínica são diretrizes para a linha de cuidado na publicação Perspectiva da Eqüidade no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal Atenção à Saúde das Mulheres Negras[27]. Além disso, a capacitação[28] em anti-racismo e competência cultural mostrou ser uma estratégia que melhorou o conhecimento, as habilidades e as atitudes dos profissionais de saúde em relação à prática do cuidado isento de viés.

Recomendações: o Poder Legislativo pode atuar em parceria com as Secretarias de Saúde e Conselhos para (1) incluir nos protocolos clínicos e linhas de cuidado, na estratificação de risco de (morbi)mortalidade materna, a categoria raça/cor da mãe como risco intermediário. (2) Incentivar, em parceria com as Secretarias de Saúde, a capacitação dos profissionais de saúde por meio do curso online aberto e gratuito Saúde da População Negra[2], pela UNA-SUS.

Opção chave

O Poder Legislativo Federal, representado pela Subcomissão Especial para Avaliação das Políticas de Assistência Social e Saúde da População Negra, além de exercer seu papel constitucional de fiscalizador do Poder Executivo, pode organizar e liderar uma força tarefa multidisciplinar e multissetorial com representantes da Sociedade Civil, em base permanente e regular (bimestral, por exemplo), com foco na prevenção da (morbi)mortalidade materna de mulheres negras visando o cuidado de saúde baseado em evidência científica, centrado na pessoa e, principalmente, isento de viés étnico-racial, entre outros.

Referências



[1] Doutora pela Universidade de São Paulo (1993). Titular da Universidade Federal Fluminense (1994). Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra – NESEN (1994) e do Núcleo de Educação em Saúde Online (http://nepae.getmoodle.net/). Contato: isabelcruz@id.uff.br 



[1] Carneiro, JD Mortalidade materna cai no Brasil, mas não atingirá meta da ONU, RJ, 8 mar, 2015. Em http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/03/150306_mortalidade_materna_jc_ru

[2] Bhutta, Zulfiqar A et al. Can available interventions end preventable deaths in mothers, newborn babies, and stillbirths, and at what cost? The Lancet , Volume 384 , Issue 9940 , 347 – 370. http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(14)60792-3/abstract

[3] DIAS, Marcos Augusto Bastos et al . Incidência do near miss materno no parto e pós-parto hospitalar: dados da pesquisa Nascer no Brasil. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro ,  v. 30, supl. 1, p. S169-S181,   2014 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2014001300022&lng=en&nrm=iso>. access on  05  June  2015.  http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00154213.

[4] URL da imagem: http://arquivos.proderj.rj.gov.br/cedim_imagens/SCSEditaImprensa/arquivos/uploads/Apresentacao%20Comite.pdf . Contida em: Comitê Estadual de Prevenção e Controle de Morte Materna e Perinatal do Rio de Janeiro. (CEPCMM-RJ). Relatório anual, Maio de 2013. Pág.22.

[5] Comitê Estadual de Prevenção e Controle de Morte Materna e Perinatal do Rio de Janeiro. (CEPCMM-RJ). Relatório anual, Maio de 2013. Pág.22.

[6] MARTINS, Alaerte Leandro. Mortalidade materna de mulheres negras no Brasil. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro ,  v. 22, n. 11, p. 2473-2479, Nov.  2006 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2006001100022&lng=en&nrm=iso>. access on  05  June  2015.  http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2006001100022.

[7] CHOR, Dóra. Desigualdades em saúde no Brasil: é preciso ter raça. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro ,  v. 29, n. 7, July  2013 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2013000700002&lng=en&nrm=iso>. access on  30  Nov.  2013.  http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013000700002

[8] Morse Marcia Lait, Fonseca Sandra Costa, Barbosa Mariane Doelinger, Calil Manuele Bonatto, Eyer Fernanda Pinella Carvalhal. Mortalidade materna no Brasil: o que mostra a produção científica nos últimos 30 anos?. Cad. Saúde Pública  [Internet]. 2011  Apr [cited  2015  May  31] ;  27( 4 ): 623-638. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2011000400002&lng=en .  http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2011000400002.

 

[9] Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Síntese de evidências para políticas de saúde : mortalidade perinatal. — Brasília : Ministério da Saúde, 2012. 43 p. Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sintese_evidencias_mortalidade_perinatal.pdf

[10] FONSECA, Sandra Costa et al . Inequalities in prenatal care in a southeastern city in Brazil. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v. 19, n. 7, p. 1991-1998, July  2014 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232014000701991&lng=en&nrm=iso>. access on  06  June  2015.  http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014197.04212013.

[11]Ministério da Saúde - Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ) manual instrutivo – anexo ficha de qualificação dos indicadores, sd. http://subpav.org/download/pmaq/pmaq_manual_instrutivo_anexo.pdf

[12] Reducing Racial And Ethnic Disparities: The Action Plan From The Department Of Health And Human Services, 2011. Em

http://minorityhealth.hhs.gov/assets/pdf/hhs/HHS_Plan_complete.pdf

[13] PATTUSSI, Marcos Pascoal et al . Capital social e a agenda de pesquisa em epidemiologia. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro ,  v. 22, n. 8, p. 1525-1546, Aug.  2006 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2006000800002&lng=en&nrm=iso>. access on  05  June  2015.  http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2006000800002.

[14] Cardoso, Luzia Magalhães, Souza, Mirian Moura Costantin Félix de, & Guimarães, Roberto Ubirajara Cavalcante. (2010). Morte materna: uma expressão da "questão social". Serviço Social & Sociedade, (102), 244-268. Retrieved May 31, 2015, from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282010000200004&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S0101-66282010000200004.

[15][15] Ye F, Wang H, Huntington D, Zhou H, Li Y, et al. (2012) The Immediate Economic Impact of Maternal Deaths on Rural Chinese Households. PLoS ONE 7(6): e38467. doi:10.1371/journal.pone.0038467 http://www.plosone.org/article/fetchObject.action?uri=info:doi/10.1371/journal.pone.0038467&representation=PDF

[16] Can available interventions end preventable deaths in mothers, newborn babies, and stillbirths, and at what cost? Bhutta, Zulfiqar A et al.The Lancet , Volume 384 , Issue 9940 , 347 – 370 http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(14)60792-3/abstract

[17] AMIRI, A et al Impact of Maternal and Child Health on Economic Growth: New Evidence Based Granger Causality and DEA Analysis, WHO, 2013 http://www.who.int/pmnch/topics/part_publications/201303_Econ_benefits_econometric_study.pdf

[18] Tavares, Luciane Santiago, Leite, Iuri da Costa, Noronha, Marina Ferreira de, Rodrigues, Roberto do Nascimento, Cunha, Geraldo Marcelo da, Valente, Joaquim Gonçalves, Schramm, Joyce Mendes de Andrade, & Costa, Maria de Fátima Santos. (2013). Diferenciais da carga de doença das condições maternas entre mulheres de 15 a 44 anos no Estado de Minas Gerais, 2004-2006. Revista Brasileira de Estudos de População, 30(Suppl. ), S119-S134. Retrieved May 31, 2015, from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-30982013000400008&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S0102-30982013000400008.

[19] CRUZ, I.. Que falta faz uma Área Técnica de Saúde da População Negra no Ministério da Saúde!. Revista da ABPN, América do Norte, 4, abr. 2013. Disponível em:HTTP://WWW.ABPN.ORG.BR/REVISTA/INDEX.PHP/EDICOES/ARTICLE/VIEW/285/248  Acesso em: 04 Jun. 2015

[20] Pinto, AF Saúde dos negros corre o risco de continuar Negligenciada no Ministério da Saúde. Dez, 2013. Em  http://redesaudedapopulacaonegra.org/archives/1749

[21] UNA-SUS – Curso online Saúde da População Negra. Em http://www.unasus.gov.br/populacaonegra

[22] SES-PR – Linha Guia Rede Mãe Paranaense. 2014. Disponível em http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/MaeParanaense_2014_LinhaGuia_Ed03_148x210mm__1.pdf

[23] Cruz I. Human Rights and Black Brazilian Health Online Brazilian Journal of Nursing [serial on the Internet]. 2009 April 16; [Cited 2010 April 2]; 8(1):[about ## p.]. Available from:http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/2277

[24] Saúde da população negra / Luís Eduardo Batista, Jurema Werneck e Fernanda Lopes, (orgs.). -- 2. ed. -- Brasília, DF : ABPN - Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, 2012. -- (Coleção negras e negros : pesquisas e debates / coordenação Tânia Mara Pedroso Müller). Em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_populacao_negra.pdf

[25] Ministério Público emite Nota Técnica sobre mortalidade materno-infantil nos municípios. Julho, 2014. Em http://www.crmpr.org.br/Ministerio+Publico+emite+Nota+Tecnica+sobre+mortalidade+maternoinfantil+nos+municipios+11+25427.shtml

[26] KIT DE ATUAÇÃO PARA AS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA - MORTALIDADE MATERNA. Disponível em http://www.mpmt.mp.br/imprime.php?cid=62350&sid=509

[27] Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília – DF, 2005. Perspectiva da Eqüidade no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal Atenção à Saúde das Mulheres Negras. Série F. Comunicação e Educação em Saúde. Em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/perspectiva_equidade_pacto_nacional.pdf

[28] Beach MC, Price EG, Gary TL, et al. Cultural Competency: A Systematic Review of Health Care Provider Educational Interventions. Medical care. 2005;43(4):356-373. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3137284/





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