Audiência
Pública:“(Morbi)Mortalidade Materna e o Impacto Sobre as Mulheres Negras”-
estudo de caso sobre iniquidade étnico-racial no SUS
Isabel Cruz[1]
. Breve
descrição do contexto:
A mortalidade materna é uma
perda evitável. É um evento sentinela que indica má qualidade da assistência à
saúde prestada para a população como um todo. Contudo, em matéria publicada no
site da BBC-Brasil[1], a
diretora do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde,
advertiu que o Brasil não chegará à meta da OMS de 35/100 mil. Avalia
ainda que a redução até o patamar atual de 62/100 mil é atribuída à melhoria do
sistema, da qualidade da informação, de equipes fortalecidas dentro do hospital
e de um pré-natal melhor.
Em que pese as evidências científicas sobre as intervenções efetivas e de baixo custo para a redução das mortes maternas preveníveis[2], o contexto apresentado pelo Ministério da Saúde não é favorável para as mulheres brasileiras de qualquer cor ou etnia. Então, o que esperar do MS para a redução da morte materna em mulheres negras, tendo em vista o que preconiza a PNSIPN?
No
sentido de buscar resposta a esta e outras perguntas sobre saúde e mulher, foi
proposta mais esta Audiência Pública (Figura 1), em 09/06/2015, convocada pela Deputada Benedita da Silva, Presidenta da Subcomissão
Especial das Políticas de Assistência Social e Saúde da População Negra, e pela
Deputada Rosangela Gomes que é Procuradora Adjunta da Secretaria da Mulher com
a colaboração da Coordenadora da Bancada Feminina da Câmara dos Deputados,
Deputada Dâmina Pereira, da Procuradora da Mulher da Câmara dos Deputados,
Deputada Elcione Barbalho, e da Procuradora Especial da Mulher do Senado
Federal, Senadora Vanessa Grazziotin. A Audiência teve como expositoras Doutora
Jurema Werneck (Organização CRIOLA - Na Luta pela Mulher Negra), Doutora
Alaerte Leandro Martins (Articulação Nacional de Organizações de Mulheres
Negras Brasileiras - ANMB), Rurany Ester (Secretaria de Políticas para as
Mulheres da Presidência da República), Larissa Amorim Borges (Secretaria de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR), Maria Esther Vilela (Ministério
da Saúde) e eu.
Ainda que o
tema seja Mortalidade Materna, considero oportuno ampliar a discussão para
incluir a Morbidade Materna pois se
refere a eventos ou doenças não mortais[3]
e que podem apresentar grande demanda em serviços de saúde em diversos níveis
do SUS, assim como os serviços previdenciários.
. Descrição do
problema:
Observe a cena, ou melhor, o gráfico:
Figura 2 RMM x escolaridade. IMG:
http://arquivos.proderj.rj.gov.br/cedim_imagens/SCSEditaImprensa/arquivos/uploads/Apresentacao%20Comite.pdf
Salvo melhor juízo, muitos
pesquisadores brasileiros geralmente interpretam este gráfico (Figura 2[4])
sobre a RMM no Rio[5], e
outros semelhantes, afirmando que as desigualdades raciais no adoecimento têm
origem social, atingindo as pessoas com menor renda e baixa escolaridade[6]. Outros
ainda julgam que pesquisas que apresentam os dados desagregados por raça/cor têm
risco de acirrar as divisões sociais no Brasil. Há também quem alegue que não
há necessidade de implantação da PNSIPN por reduzí-la a “programas de saúde
específicos voltados exclusivamente para pardos e pretos[7]”.
Entretanto, a observação
atenta dos dados mostrados no gráfico em comparação com a interpretação de que
há apenas uma origem social para o fenômeno revela uma incongruência. Porque o que está acontecendo aqui é ...
Observe a cena & infira
Segundo um ditado popular, o
diabo mora nos detalhes, observe o gráfico mais atentamente.
Uma
evidência científica forte[8]
mostrou que, no Brasil, embora haja queda da RMM, a mortalidade materna
prevenível continua acontecendo de forma diferenciada também por cor da pele e
escolaridade.
A disparidade étnico-racial
na (des)atenção à saúde das mulheres mantêm-se mesmo nos extratos sociais com
maior escolaridade!
É sabido que
quanto mais alta a escolaridade da pessoa maior será o nível de cognição, saúde
e bem-estar. Porém, conforme se nota no gráfico acima, para a mulher negra nem a
alta escolarização a protege do cuidado de saúde iatrogênico devido ao viés
étnico-racial dentro do SUS.
Portanto,
o que o gráfico expõe é o racismo institucional do SUS.
O racismo institucional no SUS é denunciado pelos dados epidemiológicos
desagregados por raça/cor (efeito do cuidado), somatórios das relações entre
profissional de saúde e cliente que são causa ou origem da iniquidade (padrão
de cuidado de saúde iatrogênico por viés étnico-racial). Veja
o infográfico a seguir.
Figura 3 RI & RMM por Isabel Cruz, 2015
Todavia, devemos também dar
adeus à ilusão de que apenas a identificação de iniquidades étnico-raciais em
saúde, ou seja, tratamentos diferentes por causa da cor pela mesma instituição
de saúde, é o suficiente para abalar as estruturas do racismo institucional.
Por exemplo, uma publicação, de 2012, do Ministério da Saúde, Síntese de evidências para políticas de
saúde: mortalidade perinatal[9]
nem menciona as diferenças étnico-raciais nas taxas de mortalidade materna, em
que pese a PNSIPN estar aprovada no Ministério da Saúde desde 2006 e este tema,
em especial, ser um dos mais debatidos na área da saúde graças ao intenso
trabalho do Movimento Social.
Porém, ainda que o Ministério
da Saúde postergue a implantação da PNSIPN, é preciso que criemos um “indicador
provisório de equidade étnico-racial (PNSIPN) ” para denunciar objetivamente
situações de iniquidades e tendências que demandam ações e estudos específicos.
Para ajudar no debate desta Audiência Pública, sugiro um indicador provisório de resultado no SUS para a população negra:
% (ou proporção) de pret@s e pard@s atendid@s, comparados com branc@s, no programa X e com taxa de sucesso (resolutividade) maior ou igual a 80%
Como aplicar este indicador para prevenção da morbi-mortalidade materna?
Um breve exercício:
Estudo
de Caso: Na cidade de Niterói-RJ[10], o percentual de mulheres com sete ou
mais consultas se manteve acima de 80%, com diferenças de acordo com idade,
escolaridade e cor da pele. Tiveram mais chances de pré-natal adequado:
adultas; com oito anos ou mais de estudo; e brancas.
Análise:
Muito provavelmente o % de mulheres pretas e pardas gestantes
cadastradas pela Unidade de Saúde em relação ao número estimado de gestantes na
área e no mesmo período foi inferior à 43% (captação média)[11]. Consequentemente,
em princípio, o indicador relativo ao número preconizado de consultas será
afetado porque a média de atendimentos será baixa em razão de, muito
provavelmente, a captação de gestantes (principalmente as negras) ter sido
também baixa (denominador). Pode-se, por este caso, antecipar que para
avaliação do grau de qualidade do pré-natal em relação à morbi-mortalidade de
mulheres negras serão necessários indicadores de processo (comunicação
terapêutica, por exemplo)
Ação:
O pressuposto é que a gestão da saúde baseia-se em evidência científica. Assim,
o gestor de saúde de Niterói, com base no nosso “indicador de equidade étnico-racial”
e em acordo com a PNSIPN, deverá elaborar um plano de ação para reduzir esta
iniquidade étnico-racial, revisando o plano estratégico da rede Cegonha de modo
a incluir meta, indicador e atividade do Plano Operativo da PNSIPN previstos
para redução da mortalidade materna, como também instituindo a busca ativa de
gestantes negras. O gestor, por entender que o cuidado deve ser centrado na
pessoa e reconhecer que o racismo institucional é uma barreira ao SUS, poderá
estabelecer, dentre as medidas de sucesso do plano, por exemplo, % de mulheres
pretas e pardas que relatam comunicação terapêutica com @ profissional de saúde[12].
. Quanto a mortalidade
materna de mulheres compromete o capital social e monetário da população negra?
O conceito de
"capital social" ajuda a entender
porque as desigualdades em saúde se manifestam e como elas podem ser mais bem
enfrentadas, com justiça social e solidariedade[13].
Neste estudo, o conceito de capital social é útil para entender o impacto da
morte materna de mulheres negras tendo em vista que, para a cultura afrobrasileira,
o cooperativismo/comunitarismo é um
valor. Não existe cultura negra sem coletivo em cooperação e comunidade. Consequentemente,
cada morte materna evitável de mulheres negras dilapida o capital social das
famílias e da comunidade da vítima, em particular, e da sociedade como um todo.
Menor capital social, maior
vulnerabilidade. A prevalência da elevada mortalidade materna de mulheres
negras indica a existência de barreiras étnico-raciais
no acesso ao SUS as quais nem os interesses comuns e compartilhados das comunidades negras adstritas às Unidades de Saúde são
capazes de superar. Este argumento é reforçado pela pesquisa de
Cardoso et al[14], na
qual chama a atenção o fato de as
mulheres que foram a óbito por razões maternas serem residentes em bairros
próximos à unidade de saúde.
O capital
econômico também ajuda a entender o impacto da mortalidade materna de mulheres
negras na renda familiar. Uma pesquisa divulgada pela OMS[15]
compara os custos diretos, indiretos e o impacto econômico entre as famílias
que vivenciaram a morte materna e aquelas sem morte materna (sucesso
perinatal), na área rural da China. A pesquisa mostrou que os custos diretos
para uma família com morte materna são da ordem de US$ 4.119 enquanto que para uma
família sem morte materna, a experiência perinatal tem um custo direto de US$
370. Um impacto econômico (e psicossocial) imenso para as famílias enquanto que
a prestação do cuidado de saúde efetivo, na avaliação da OMS[16],
para prevenir 113.000 mortes maternas/ano no mundo até 2020 precisaria de um
investimento anual ao custo de US$·9 por pessoa!
No caso do Brasil, com seu
desenvolvimento econômico e seu sistema de saúde estruturado, a redução da
mortalidade perinatal causaria, conforme estudo da OMS[17],
um aumento do Produto Interno Bruto (PIB).
Ambos os custos, diretos e
indiretos, em razão da morte evitável de uma pessoa dentro do Sistema Único de
Saúde por ineficiência e má gestão do setor saúde, são um ônus para toda a
sociedade e a este ônus devemos acrescentar a indenização às vítimas (near
miss) ou aos familiares das mulheres mortas.
. Medidas chave
para a mudança: ação do Poder Legislativo na redução da morbi-mortalidade
materna de mulheres negras
Com base nas evidências e nas
políticas públicas já aprovadas, é preciso garantir a gestão efetiva destas
políticas e de seus recursos de modo que se garanta o aumento da expectativa de
vida da mulher negra, a redução da pobreza e da dor psicossocial vivenciada
pelas famílias enlutadas, bem como o ônus causado à Previdência Pública e ao
SUS por estas mortes evitáveis.
Dentre as políticas públicas executadas pelo Poder Executivo de
interesse para redução da mortalidade materna de mulheres negras, destaca-se a Política
Nacional de Saúde Integral da População Negra – PNSIPN (Lei no. 12.288, de 20
de julho de 2010). A PNSIPN é um marco no reconhecimento pela
sociedade brasileira quanto à existência de iniquidades étnico-raciais na
prestação do cuidado em todos os
níveis da atenção à saúde no SUS.
Contudo, mesmo diante das evidências
científicas sobre iniquidades étnico-raciais na mortalidade materna de mulheres
negras & brancas, o Poder Executivo posterga a implantação da PNSIPN e,
assim, mantém as complexas operações do racismo institucional no SUS,
igualmente compromete as ações de prevenção da morbimortalidade perinatal.
Ressalta-se que o papel
constitucional do Poder Legislativo é fiscalizar o Poder Executivo. As ações e
omissões do Poder Executivo relativas à iniquidade étnico-racial na taxa de
mortalidade materna devem ser, salvo melhor juízo, fiscalizadas pelo Poder
Legislativo em base regular.
A iniquidade étnico racial na
taxa de mortalidade materna entre mulheres negras (pretas & pardas) e
brancas é um fato para o qual o Poder Legislativo deve requerer informação
ao Ministro da Saúde sobre as razões de não implantar a PNSIPN, optando por
manter inalterado o racismo institucional.
Para o efetivo exercício da
fiscalização são necessários dados e informações. Uma vez que as estatísticas
de mortalidade são bastante utilizadas para o monitoramento de saúde pública
bem como no planejamento e avaliação da atenção à saúde, o Poder Legislativo
deve requerer informação ao Ministro da Saúde sobre a mortalidade materna de
mulheres negras (pretas & pardas X brancas) por causa preveníveis, em base
regular, mensalmente, por exemplo (afinal,
é de preservação de vidas que estamos tratando!).
Além disso, por entender igualmente
que a mortalidade materna é um
incidente crítico (evento sentinela) e que para avançar na sua prevenção é
necessário monitorar os dados de Morbidade
Materna em especial porque a morbidade se refere a eventos ou doenças não
mortais e que podem apresentar grande demanda em serviços de saúde e
previdenciários, o
Poder Legislativo deve requerer informação ao Ministro da Saúde sobre os dados
de morbidade materna desagregados por raça/cor (pretas & pardas X brancas),
entre outras categorias de vulnerabilidade social (capacidade física,
orientação sexual, etc), em base regular, trimestralmente,
por exemplo.
Inclusive, em razão da
elevada e desigual taxa de morte materna em mulheres negras ser decorrente do
racismo institucional no SUS e implicar em maior carga para a seguridade
social, o Poder Legislativo Federal deve requerer informação ao Ministro da
Saúde sobre as tendências nos
resultados da atenção à saúde da população negra, assim como os anos potenciais
de vida perdidos (APVP) na população negra (pret@s & pard@s) em comparação
ao grupo populacional hegemônico. No caso das mulheres negras em idade
reprodutiva, incluir informações sobre o APV por incapacidade[18].
E, caso não obtenha resposta, ou obtenha de forma insatisfatória,
acusar o Ministro da Saúde de crime de responsabilidade.
Isto porque, cabe sempre
lembrar, a
(morbi)mortalidade materna de mulheres negras é uma questão interdisciplinar e multissetorial.
Portanto, para sua prevenção e redução é preciso planejar, implementar,
monitorar e avaliar ações com vários
setores da esfera de governo além do setor saúde. Por exemplo, o Poder Legislativo deve
requerer informação ao Ministro da Previdência Social sobre a situação de
seguridade das famílias de mulheres mortas no período perinatal por causas
evitáveis, bem como deve solicitar Ministro da Educação informações sobre a prevenção da gestação em adolescentes
ou para a prevenção da morte perinatal em adolescentes.
O Poder Legislativo, com base
nas evidências científicas sobre iniquidades étnico-raciais na mortalidade
materna de mulheres negras, pode pedir apuração destas iniquidades no
âmbito da administração pública do SUS, tendo em vista o que foi pactuado no(s)
Plano(s) Operativo(s) da PNSIPN, especificamente, mas não apenas.
O
Poder Legislativo, com base nas evidências científicas sobre iniquidades
étnico-raciais na mortalidade materna de mulheres negras, pode por meio de sua Comissão de Fiscalização Financeira e Controle acompanhar e realizar a
fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da
instância responsável pela gestão da PNSIPN, bem como de outras agências cujas
ações têm impacto sobre a mortalidade materna de mulheres negras.
Por
conseguinte, para a desconstrução do racismo institucional (RI) no SUS e,
principalmente, para acelerar a redução da morbi-mortalidade materna de
mulheres negras é a ação fiscalizadora sistemática do Poder Legislativo, em
base regular, em todas as esferas de governo, inclusive.
.
Estratégias para mudanças:
Iniciativa:
A
intensificação da ação fiscalizadora do Poder Legislativo sobre a
morbi-mortalidade materna de mulheres negras baseia-se na execução de estratégias
correlatas para seu sucesso.
Desde 2009, temos uma
Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), mas não uma
agência com a responsabilidade de sua implantação, monitoramento e avaliação
nas instituições de saúde em todos os níveis do SUS[19],
assim como formular e liderar as ações que considerem a dimensão étnico-racial
nas ações de saúde, visando redução das iniqüidades e disparidades étnicas em
saúde.
Estratégia:
Criação da instância de
gestão da política no Gabinete do Ministério da Saúde[20],
SES e SMS
Iniciativa:
A redução da mortalidade materna possuía uma única ação prevista
para o período 2010-2011 no I Plano Operativo da PNSIPN, com recursos da ordem
de R$1.350.000 para capacitação de profissionais de saúde com enfoque
étnico-racial. O lançamento do curso online Saúde da População Negra[21], em 2014 não é
suficiente. E esta ação isoladamente não basta para reduzir a mortalidade
materna das mulheres negras a um nível ao menos equivalente a taxa brasileira,
em 2005: 110/100 mil nascidos vivos.
O II Plano Operativo
(2013-2015) da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra pactuou a
redução da mortalidade materna de mulheres negras em 5 pontos percentuais, ao
ano, para diminuir a diferença total entre estas e as mulheres brancas, até
2015, de acordo com protocolo específico proposto pela Rede Cegonha. Contudo, é
preciso avançar rápido no sentido da prevenção da mortalidade e da morbidade
com a mobilização de recursos materiais, humanos e financeiros para sua
consecução.
Estratégias:
Acompanhar
e realizar a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial do Plano Operativo da PNSIPN e da instância responsável pela gestão
da PNSIPN pelo Poder Legislativo (Comissão de Fiscalização Financeira e
Controle)
Sugerir ao Ministério da
Saúde para aumentar % de mulheres pretas & pardas atendidas no SUS (versus
mulheres brancas).
Sugerir ao Ministério da
Saúde para aumentar % de mulheres pretas & pardas e com taxa de sucesso
(resolutividade) maior ou igual a 80% (versus mulheres brancas).
Sugerir ao Ministério da
Saúde para incluir, nas linhas de cuidado do SUS, a categoria raça/cor na
estratificação de risco de morte materna[22]
. Próximos
passos:
Observe
a cena & aja
- Uma
vez que identificamos o racismo institucional no SUS ...
Também na área da saúde é anti-ético fazer um diagnóstico e não
propor uma terapêutica para @ paciente. Paralelamente, quando denunciamos o
racismo institucional no SUS, um poderoso determinante social do processo
saúde-doença da população negra, temos por dever de ofício, ao menos, enfrentá-lo
e desconstruí-lo nas instituições de saúde.
Neste sentido, no que se refere às iniquidades étnico-raciais identificadas
nas taxas de morbi-mortalidade de mulheres negras, sintetizamos algumas
evidências e recomendações para a desconstrução do RI no SUS.
Sumário de evidências sobre Saúde da
População Negra e Direitos Humanos: há impacto das políticas públicas sobre as práticas de direitos
humanos, igualmente os
impactos na saúde da população negra resultam de violações de direitos humanos[23].
Portanto, a saúde é um direito e, no caso da população negra, a PNSIPN, é o
caminho[24].
O conhecimento construído com dados e evidências sobre a
influência do racismo institucional nas taxas de morbi-mortalidade materna deve
servir para a efetivação do sistema de direitos e suas garantias das mulheres
(e familiares)[25].
Recomendação: o Poder Legislativo além de seu papel
fiscalizador do executivo pode estabelecer parcerias com o Ministério Público (Direitos do Cidadão) visando
sensibilizar as promotorias de justiça quanto as estratégias para instauração
de inquérito (com dados desagregados raça/cor) e a consequente ação civil
pública pela defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais das mulheres
negras e suas famílias quanto à prevenção das iniquidades étnico-raciais e da morte
por causas evitáveis, bem como ao cuidado de saúde baseado em evidências
científicas[26].
Sumário de evidências sobre ações para descontrução do RI no
ponto do cuidado de saúde: o empoderamento da
mulher negra e sua participação no processo de tomada de decisão clínica são
diretrizes para a linha de cuidado na publicação Perspectiva da Eqüidade no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade
Materna e Neonatal Atenção à Saúde das Mulheres Negras[27]. Além disso, a capacitação[28]
em anti-racismo e competência cultural mostrou ser uma estratégia que melhorou
o conhecimento, as habilidades e as atitudes dos profissionais de saúde em
relação à prática do cuidado isento de viés.
Recomendações: o Poder
Legislativo pode atuar em parceria
com as Secretarias de Saúde e Conselhos para (1) incluir nos protocolos
clínicos e linhas de cuidado, na estratificação de risco de (morbi)mortalidade
materna, a categoria raça/cor da mãe como risco intermediário. (2) Incentivar, em
parceria com as Secretarias de Saúde, a capacitação dos profissionais de saúde por
meio do curso online aberto e gratuito Saúde
da População Negra[2],
pela UNA-SUS.
Opção chave
O Poder Legislativo Federal, representado pela Subcomissão
Especial para Avaliação das Políticas de Assistência Social e Saúde da População
Negra, além de exercer seu papel constitucional de fiscalizador do Poder
Executivo, pode organizar e liderar uma força tarefa multidisciplinar e
multissetorial com representantes da Sociedade Civil, em base permanente e
regular (bimestral, por exemplo), com foco na prevenção da (morbi)mortalidade materna
de mulheres negras visando o cuidado de saúde baseado em evidência científica, centrado
na pessoa e, principalmente, isento de viés étnico-racial, entre outros.
Referências
[1] Doutora
pela Universidade de São Paulo (1993). Titular da Universidade Federal
Fluminense (1994). Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra
– NESEN (1994) e do Núcleo de Educação em Saúde Online (http://nepae.getmoodle.net/).
Contato: isabelcruz@id.uff.br
[2]
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[4] URL da imagem:
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[5] Comitê Estadual de Prevenção e Controle
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[26] KIT DE ATUAÇÃO PARA AS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA - MORTALIDADE MATERNA. Disponível em http://www.mpmt.mp.br/imprime.php?cid=62350&sid=509
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JSNCARE