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ARTIGO ORIGINAL

Mortalidade de mulheres negras residentes no Estado do Rio de Janeiro – 2015: evidências para a PNSIPN e a PNAISM


Isabel CF da Cruz1, Izaide Ribeiro de Faria2

1Universidade Federal Fluminense
2Ministério da Saúde

RESUMO

No contexto do sexismo institucional, a população de mulheres não recebe a devida atenção pela área de saúde fora do período perinatal e, com a sobreposição da ideologia opressiva que é o racismo institucional, as mulheres negras, no caso, têm o risco de nem na fase de idade reprodutiva receber o cuidado de saúde conforme preconiza a base de evidência científica. O objetivo deste artigo é apresentar as causas de óbito mais frequentes que incidem em mulheres brancas (grupo hegemônico) e negras (grupo vulnerável) no Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2015, visando a desconstrução do racismo institucional, bem como a promoção do cuidado de saúde centrado na pessoa e isento de viés racial e de gênero.O método do estudo foi descritivo. Os dados de mortalidade o foram coletados no endereço eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Os resultados mostram que, no período estudado, foram registrados 63.150 óbitos de mulheres no total, sendo 36.084 brancas e 26.101 negras (pretas e pardas) e 190 de outras etnias. Os grupos de causas mais frequentes foram: Doenças do aparelho circulatório (29,86%), Neoplasias (17,02%), Doenças do aparelho respiratório (13,91%), Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (6,73%) e Algumas doenças infecciosas e parasitárias (5,62%). Além destas, a causa de morte por gravidez, parto e puerpério revela a interseccionalidade de racismo e sexismo no SUS, sendo a 1a. causa de morte em mulheres pretas e a 2a em mulheres pardas. Com base nos dados, concluímos que o sexismo esconde do planejamento das ações de saúde as DCNT com a principal de morte para as mulheres; enquanto associada ao racismo mantém elevada e inalterada a morte por causas intrínsecas a condição de ser mulher, especialmente, mulher negra: a gestação, o parto e o puerpério. Recomendamos que se implemente a educação permanente sobre a coleta do quesito cor e de Saúde da População Negra/UNA-SUS, que “internações por condições sensíveis à atenção ambulatorial” seja um indicador do acesso e qualidade da atenção primária para a população negra; que seja realizada campanha sobre saúde do coração da mulher negra; que haja o diálogo da PNSIPN com a PNAISM para redução da mortalidade materna em mulheres negras.

Palavras-chave: Mortalidade; Causa da Morte; Saúde da Mulher Negra; Epidemiologia


Descrição do contexto

A convocação da 2ª Conferência Nacional Sobre Saúde das Mulheres (2ª CNSMu) nos apontou a necessidade de dados atualizados para fundamentação das propostas. Igualmente importante é tratar estas informações considerando as lentes capazes de revelar a interseccionalidade de gênero e raça. Neste sentido, o Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra - NESEN 1i, realizou um estudo sobre a mortalidade das mulheres negras no Estado do Rio de Janeiro e apresenta neste artigo um diagnóstico preliminar e algumas recomendações, com base em evidência, para subsidiar o debate na 2a. Conferência, bem como a implementação e monitoramento das necessárias políticas públicas para o empoderamento e emancipação sócio-econômica da mulher negra, em especial, e das mulheres em geral.

Situação Problema

Uma vez que a Conferência é uma instituição de controle social, a escassez de dados epidemiológicos sobre as mulheres negras, contrastados com os dados sobre as mulheres brancas (grupo hegemônico), no Estado do Rio de Janeiro, em particular, compromete a qualidade da participação das mulheres no planejamento, na realização e na avaliação das ações e atividades decorrentes da implementação da Política Nacional de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) e da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN).

O necessário diálogo entre a PNAISM e a PNSIPN para o enfrentamento do sexismo e do racismo institucionais, suscita em nós esta pergunta:

-No Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado do Rio de Janeiro, há disparidades nas causas de mortalidade entre mulheres brancas e mulheres negras (pretas e pardas)?

Por entendermos que a intersecção destas duas ideologias opressivas, o racismo e o sexismo, perpetua os processos de discriminação institucional também na área da Saúde, resultando em iniquidades étnico-raciais nos resultados do SUS, a busca de dados, sua descrição e sua interpretação para responder à pergunta deste estudo teve como referencial o feminismo negro, enquanto uma teoria crítica, ou seja, que nos situa numa perspectiva de gênero e anti-racista (LEMOS, 2016)2.

Além da 2a. Conferência, estudos regulares sobre as causas de mortalidade de pessoas negras e diferenciais em relação à mortalidade das pessoas do grupo social hegemônico, justificam-se porque, segundo Batista et al (2004)3 ;(2017)4 há tanto um desconhecimento da população quanto dos profissionais de saúde de como o racismo impacta a vida, o acesso aos serviços e a qualidade do cuidado prestado. Os autores alertam para o fato de que mesmo poucos, os gestores que expressam um compromisso com a implementação da PNSIPN não sabem exatamente como fazê-lo, ainda que considerem o potencial impacto, a diferença que se pode fazer no perfil de morbimortalidade da população negra com promoção do encontro clínico isento de viés racial contra a pessoa negra.

O estudo sobre a mortalidade em mulheres negras no Estado do Rio de Janeiro tem o potencial de oferecer subsídios para a avaliação da PNSIPN, assim como dos programas de saúde dirigidos para as mulheres por meio da PNAISM. Para que uma mudança aconteça no sentido de garantir a mortalidade evitável das mulheres negras e estancar os anos potenciais de vida perdidos, entre outros indicadores da qualidade de vida e do acesso ao SUS, faz-se urgente o diálogo entre a PNSIPN e a PNAISM.

Além disso, o estudo sobre a mortalidade em mulheres negras, contrastando com a mortalidade em mulheres brancas, no Estado do Rio de Janeiro, contribui com subsídios para que gestores (as), profissionais de saúde e controle social possam efetivamente implementar a PNSIPN, conforme identifica o racismo institucional e elenca recomendações para sua desconstrução no SUS.

METODOLOGIA

Com base na Vigilância em Saúde - MS (BRASIL, 2017)5 que recomenda considerar as informações sobre um determinado quesito adequadas para análise quando o percentual de “ignorado” é menor que 10%, realizamos um estudo descritivo, cujos dados foram obtidos no banco de dados do Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância em Saúde/Sistema de Informação Sobre Mortalidade (MS/SVS/SIM).

Os dados foram tabulados através da ferramenta TABNET, cruzando-se as variáveis causa de morte (CID 10) e quesito cor/raça/etnia. Uma limitação do nosso estudo é que, por falta de dados populacionais de 2015 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não pudemos realizar o cálculo da taxa de mortalidade geral e específica no período observado. Limitamo-nos a trabalhar com o número absoluto (frequência) e a mortalidade proporcional a qual nos ajuda a entender a qualidade do acesso à saúde e da expectativa de vida.

Uma vez que nos interessa especificamente identificar proporções nos dados que possam ser sugestivos de racismo institucional, comparamos a situação da mortalidade de mulheres negras (pretas e pardas) com a de mulheres brancas (grupo hegemônico) residentes no Estado do Rio de Janeiro, cujas Declarações de Óbito (DO) foram emitidas e registradas no período de Janeiro a Dezembro de 2015.

Análise e interpretação

Na Tabela 1 a seguir, apresentamos os óbitos em mulheres residentes no Estado do Rio de Janeiro, em 2015 (último ano com informações disponibilizadas pelo Datasus/MS), conforme o quesito cor, segundo os capítulos da Classificação Internacional de Doenças (CID -10).

Análise e interpretação

Na Tabela 1 a seguir, apresentamos os óbitos em mulheres no Estado do Rio de Janeiro, em 2015 (último ano com informações disponibilizadas pelo Datasus/MS), conforme o quesito cor, segundo os capítulos da Classificação Internacional de Doenças (CID -10).

Tabela 1 - Número e proporção de óbitos entre mulheres, segundo capítulo da CID-10 e quesito cor - Estado do Rio, 2015

Tabela 1

Para iniciar o debate sobre mortalidade de mulheres negras no Estado do Rio de Janeiro, consideramos necessário alertar para o percentual de 1,23% de “ignorado”, na Tabela 1, no preenchimento do quesito raça/cor na declaração de óbito, instrumento que alimenta o SIM.

Ainda que esta proporção esteja melhor que em outros estados, como o de Sergipe (2016)6 , por exemplo, onde a taxa de incompletude é de 4,41% no mesmo período e considerando variáveis com menos de 5% de completude (Melo et al 2015)7 , esta taxa de persistência do não preenchimento ou da informação de “ignorado” sobre o quesito cor reflete, no nosso entendimento, uma dificuldade na implementação da PNSIPN no Estado do Rio de Janeiro e compromete o enfrentamento do racismo institucional, potencial fator concorrente dessas mortes.

Cabe observar ainda que, durante o levantamento de dados para a realização deste estudo, o quesito cor tem uma elevada taxa de incompletude em um relevante documento: a Autorização de Internação Hospitalar (AIH). Constatamos que 36,01% das AIHs, no Estado do Rio de Janeiro, não informam o quesito cor da paciente.

Nunca é demais repetir que a baixa qualidade das informações nos documentos do Sistema Único de Saúde (SUS) interfere tanto no diagnóstico de situação como no planejamento das ações. Uma vez que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra -PNSIPN é uma lei (Lei 12.288/2010), a incompletude do quesito cor representa mais do que um descumprimento da legislação, a nosso ver significa a reiteração do racismo institucional nos processos do SUS. Assim como do viés racial implícito nas ações de seus agentes o que impacta negativamente em diagnósticos primários, comorbidades presentes à admissão, complicações surgidas durante a internação, entre outras relevantes informações, igualmente aumenta a chance de a pessoa negra ter uma experiência clínica iatrogênica na Atenção Especializada, podendo inclusive resultar em óbito.

Ainda mais, quanto às causas de mortalidade em mulheres, em 2015, no Estado do Rio de janeiro, os cinco grupos de causa de óbito com maior percentual foram:

  1. Doenças do aparelho circulatório (29,86%),
  2. Neoplasias (17,02%),
  3. Doenças do aparelho respiratório (13,91%),
  4. Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (6,73%) e
  5. Algumas doenças infecciosas e parasitárias (5,62%).

Os dados do Estado do Rio de Janeiro, bem como os dados nacionais sobre a mortalidade em mulheres, segundo o quesito cor (Brasil, 2017), revelam como principais causas de morte as doenças não transmissíveis, seguidas das doenças infecciosas e parasitárias.

Adicionalmente, no que se refere à maior causa de doença, no Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2015, morreram 18.856 mulheres por doenças do aparelho circulatório. A mortalidade proporcional de mulheres brancas foi de 54,67% e a de negras 45,05%, sendo a de mulheres pretas, 16,59% e a de mulheres pardas 28,46%.

Segundo a Associação Brasileira das Mulheres Médicas (sd)8 , numa entrevista com a Dra. Elizabeth Regina Giunco Alexandre, diretora científica do Departamento de Cardiologia da Mulher, da Sociedade Brasileira de Cardiologia, informa que muito recentemente a ciência desmistificou a ideia de que as doenças cardiovasculares ocorriam predominantemente em homens. Para disseminar rapidamente novas evidências científicas, campanhas foram realizadas nos Estados Unidos da América do Norte (Red Dress Campaign e na Europa Women at Heart), bem como tem-se colocado o tema em discussão entre os (as) cardiologistas. No Brasil, identificamos apenas uma campanha da Sociedade Brasileira de Clínica Médica(2016)93, a qual desconsidera a diversidade étnico-racial na enquete que justifica esta iniciativa.

Sob o mesmo ponto de vista, nos principais grupos de causas de mortalidade em mulheres no Estado do Rio de Janeiro evidenciados em nosso estudo, há muitas mortes passíveis de serem prevenidas ou mesmo tratadas no nível da Atenção Básica. Definitivamente, no nosso entendimento, a causa de mortalidade também pode indicar o impacto do sexismo e racismo institucionais no SUS.

Igualmente importante, são os dados quanto ao grupo de neoplasias. No ano de 2015, morreram 10.749 mulheres com os mais diversos tipos de câncer. A mortalidade proporcional foi de 59,74% de mulheres brancas e 40,02 mulheres negras (pretas e pardas), sendo 13,59% mulheres pretas e 26,43% mulheres pardas.

A elevada mortalidade por neoplasias em mulheres no Estado do Rio pode ser uma consequência do racismo e do sexismo institucional como barreiras ao acesso ao tratamento ou, principalmente, aos cuidados preventivos. Por exemplo, em sua pesquisa de Goes et al (2013)10 verificaram que, para o nível de acesso considerado bom para o preventivo de câncer, as mulheres brancas representam 15,4%, enquanto as negras respondem por 7,9%. Porém, a barreira do racismo institucional é exclusiva para as mulheres negras no acesso aos serviços preventivos de saúde.

A terceira causa de morte foram as doenças respiratórias. Neste grupo, a mortalidade proporcional foi de 64,55% mulheres brancas e de mulheres negras (pretas e pardas), 34,97%, enquanto 10,97% mulheres pretas e 23,00% mulheres pardas.

Em seguida, temos como quarta causa de morte as doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas. A mortalidade proporcional foi de 52,34% mulheres brancas, e de 47,42% para mulheres negras (pretas e pardas), sendo 17,87% mulheres pretas e 29,56% mulheres pardas.

Por fim, na quinta posição, temos as doenças infecciosas e parasitárias cuja a mortalidade proporcional foi de 55,02% mulheres brancas enquanto mulheres negras (pretas e pardas) foi de 44,67%, sendo 16,36% mulheres pretas e e 28,31% mulheres pardas.

É preciso dizer que estas mortes de mulheres no Estado do Rio de Janeiro são em sua maioria por causas preveníveis (âmbito da Atenção Básica/Município). E muito provavelmente, em razão do tratamento inadequado (âmbito da Atenção Especializada/Estado), levaram antes a “Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP)11 ”, ou seja, são distúrbios atendidos por ações típicas do primeiro nível de atenção e cuja evolução, na falta de atenção oportuna e efetiva, pode exigir a hospitalização, como pneumonias bacterianas, complicações da diabetes e da hipertensão, asma, entre outros.

No contexto do SUS sob a implementação da PNSIPN provavelmente os desfechos seriam melhores. Por exemplo, em sua pesquisa, Hone et al (2017)12 observaram que a expansão da Estratégia de Saúde da Família (ESF) foi associada a uma redução de 15,4% na mortalidade por ICSAP entre pessoas pretas e pardas e de 6,8% entre pessoas brancas. Os autores concluem recomendando o investimento em Atenção Básica para a redução das desigualdades étnico-raciais em saúde. Neste sentido, a PNSIPN ao recomendar ações de saúde isentas de viés racial age em sinergismo com a ESF.

Todavia, é preciso incluir no processo de implementação da PNSIPN a Atenção Especializada.

Acima de tudo, é responsabilidade do Estado do Rio fornecer a Atenção Especializada em Saúde (hospitais, por ex), ainda que possa caber aos Municípios a responsabilidade pela rede ambulatorial especializada. O diagnóstico recorrente é de que a Atenção Especializada se configura um gargalo do Sistema Único de Saúde (SUS) pela estruturação insuficiente e heterogênea da rede de cuidados especializados, frequentemente chamada de “vazio assistencial da média complexidade (Brasil, 2015)13. As proporções de mortalidade em mulheres negras por doenças passíveis de serem facilmente tratadas na Atenção Especializada denunciam a tanto o racismo quanto o sexismo institucional enquanto barreiras ao acesso nesta área.

As barreiras ao acesso, segundo Sousa et al (2014)14 , são acentuadas conforme se passa da Atenção Básica para a Atenção Especializada. Na prática, a mulher negra, por exemplo, vivencia adiamento do atendimento oportuno o que, consequentemente, prolonga seu sofrimento ou pode até lhe causar a morte. Sousa et al cita as seguintes barreiras à Atenção Especializada: fatores estruturais, como a ausência de profissionais médicos na Atenção Básica, insuficiente oferta de consultas e exames especializados, bem como a dinâmica “própria” de funcionamento dos serviços de saúde.

A principal barreira, no nosso entendimento, foi apontada por Equity-LA (2012)15 , a saber: “Preconceito para com os(as) usuários(as) do serviço” que pode ser configurar como

→Baixa qualidade no atendimento;

→Recusa do (a) usuário(a) em procurar novamente o serviço.

Nunca é demais lembrar que as ideologias opressivas institucionais como o racismo e o sexismo atuam nos processos, principalmente. Mas, possuem agentes que por meio dos viéses implícitos causam dano à pessoa alvo do preconceito.

Por meio da regularidade no monitoramento das desigualdades e na avaliação do impacto das políticas para as mulheres negras é possível reduzir substancialmente as iniquidades.

Diante do quadro sobre as causas mais frequentes de morte em mulheres negras (pretas e pardas), reiteramos as considerações de Malta et al (2014)16 quando enfatizam que gestores (as) e profissionais de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) precisam atuar sobre os fatores condicionantes e determinantes de saúde (dentre eles o racismo e o sexismo institucional, por ex).

Assim sendo, com base nos argumentos de Malta et al, julgamos necessário o diálogo entre a PNSIPN com a PNAISM para a implantação e implementação das ações de acordo com as diretrizes do SUS, bem como ser reforço às políticas públicas que promovam hábitos saudáveis de vida, como alimentação de boa qualidade, atividade física, cessação do tabagismo, regulamentação da propaganda do álcool e outras, de modo que se inclua nas metas dos programas a redução das iniquidades em saúde, garantindo acesso a essas tecnologias para toda a população, especialmente para os grupos mais vulneráveis, tal como as mulheres pretas.

Igualmente, faz-se necessário rever com urgência a trajetória das mulheres negras no SUS quanto ao acesso à Atenção Especializada.

O estudo de morbidade hospitalar com o recorte por cor, facilitaria a identificação dos nós críticos da Atenção Especializada no que se refere ao acesso da população negra ao Sistema de Regulação de Vagas (SISREG). Acreditamos que o racismo institucional tende a retardar o agendamento das consultas e procedimentos de média e alta complexidade, agravando o quadro clínico das mulheres que procuram atendimento.

Além de tudo o que já foi exposto, não poderíamos finalizar este estudo sem descrever e comentar as causas de morte que são intrínsecas à condição feminina, como a gravidez, por exemplo, ainda que não sejam as causas de maior proporcionalidade geral.

Portanto, um indicador da qualidade do serviço de saúde intrínseco à saúde da mulher é a mortalidade no grupo de gravidez, parto e puerpério. Neste tópico, em 2015, no Estado do Rio de Janeiro, aconteceram 186 mortes maternas. E o pior, este número revela que as estratégias empreendidas para redução da mortalidade materna são inócuas, considerando os números apresentados no estudo de Trajano et al (2015)17 no qual foram identificadas 197 mortes maternas no Estado do Rio de Janeiro no ano de 2000 e 164 em 2011.

Em 2015, a mortalidade materna proporcional foi de 35,00% para mulheres brancas e 65,00% para as negras, sendo 25,00% para mulheres pretas e 40,00% para mulheres pardas. Outro indicador da qualidade do serviço de saúde é o grupo de afecções perinatais, cuja mortalidade proporcional foi de 43,35% para mulheres brancas e 56,34% para as negras, sendo 5,95% para mulheres pretas e 50,39% para mulheres pardas.

Novamente, os dados nos sugerem que o racismo e sexismo institucional estão em operação em que pese programas como Rede Cegonha, por ex. Concordamos com os argumentos da representante da ONG Criola, Jurema Werneck (Brasil, 2015)18 , quando alega que a falta de acesso ao pré-natal não é mais “desculpa” para a elevada taxa de mortalidade materna em mulheres negras."

Jurema Werneck informa que a maioria das mulheres negras no Brasil hoje em dia já faz todas as consultas necessárias, podendo ultrapassar sete consultas. Contudo, observa, as intercorrências vão aparecendo e os (as) profissionais de saúde que acompanham a mulher negra não observam o protocolo clínico.

Concordamos com Jurema Werneck quando enfatiza que se a mulher branca consegue atendimento na mesma condição e vai para o parto com desfecho melhor com os (as) mesmos (as) profissionais, no mesmo sistema de saúde, então só se pode concluir que há negligência motivada por alguma razão. E sintetiza: “O racismo é de fato essa névoa que faz com que ele/ela [o/a profissional] acabe sendo negligente, não toque a mulher negra, não examine o quanto deve. É o racismo." Mais especificamente, no nosso entendimento, é o Viés Racial Implícito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De forma geral, tendo em vista a 2a. Conferência Nacional de Saúde da Mulher, em especial, os dados nos permitem concluir que o sexismo esconde do planejamento das ações de saúde as principais causas de morte para as mulheres. Por outro lado, esta mesma ideologia opressiva que é o sexismo mantém elevada e inalterada a morte por causas intrínsecas a condição de ser mulher: a gestação, o parto e o puerpério.

Além do sexismo, os dados revelam a sobreposição do racismo institucional no SUS. Muito intensamente também quando vemos que a gravidez, parto e puerpério é 1a. causa de óbito em mulheres pretas (25%) e a 2a. causa, em mulheres pardas (40%).

As iniquidades evidenciadas pelas causas de morte preveníveis e tratáveis no âmbito da Atenção Básica, principalmente, com a devida articulação com a Atenção Especializada, tornam a nosso ver mandatório o diálogo entre as políticas de atenção à saúde da mulher e a de saúde da população negra.

Próximos passos

No sentido de contribuir tanto para 2ª Conferência Nacional Sobre Saúde das Mulheres (2ª CNSMu) quanto para o plano operativos das políticas públicas, com base nos dados discutidos anteriormente, elencamos algumas recomendações.

educação permanente sobre a coleta do quesito cor no âmbito da gestão assim como no âmbito do encontro clínico: considerando a discrepância na qualidade do preenchimento do quesito cor entre 2 formulários distintos: a Declaração de óbito e a AIH no Estado do Rio.

diálogo da PNSIPN com a Política de Promoção da Saúde: considerando as proporções elevadas de mortes por DCNT

“internações por condições sensíveis à atenção ambulatorial” como indicador do acesso e qualidade da atenção primária para a população negra: considerando as proporções elevadas de mortes por DCNT

Vigilância em Saúde publicar com regularidade (trimestral ou semestral) boletim sobre a mortalidade com dados desagregados pelo quesito cor, sexo e escolaridade: considerando que a mortalidade diferencial por sexo e raça/cor sugere sexismo e racismo institucional em operação. Assim, além dos esforços para melhorar a qualidade dos sistemas de informações de vigilância em saúde, segundo Brasil (2017), é imprescindível que a Vigilância em Saúde proceda as análises desagregadas (por exemplo, segundo sexo, idade, escolaridade etc.) e/ou mais aprofundadas (por exemplo, multivariadas que incluam raça/ cor) para melhor compreensão das desigualdades.

campanha sobre saúde do coração da mulher negra: considerando a elevada taxa de mortalidade, bem como a maior exposição das mulheres negras aos fatores de risco, como pílulas anticoncepcionais, menopausa e tabagismo.

diálogo da PNSIPN com a PNAISM: considerando as elevadas proporções da mortalidade materna em mulheres negras

educação permanente por meio do curso Saúde da População Negra, UNA-SUS: considerando que a elevada taxa de mortalidade em mulheres negras decorre tanto do racismo institucional quanto de viéses implícitos (racial e de gênero) (agente).


REFERÊNCIAS

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