Iniquidades e disparidades raciais em saúde no Estado do Rio. O que isto significa?[1]
Isabel Cruz
Primeiro, apresento os meus agradecimentos à Deputada Enfermeira Rejane
pelo convite para
participar no programa "Alerj em Debate". Aproveito também para parabenizá-la
pela iniciativa discutir sobre desigualdades raciais em saúde no Estado do Rio
junto à TV ALERJ. Em 20 de novembro, celebramos o dia da Consciência Negra – a
Imortalidade de Zumbi dos Palmares. Neste ano, destacamos os 40 anos de criação
da data propondo Zumbi como o herói oficial da população negra e não a Princesa
Isabel!
Em plena ditadura militar, o professor, poeta e pesquisador gaúcho Oliveira
Ferreira da Silveira,
idealizou em 1971 o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, como referência para os negros/as brasileiros/as em contraponto ao 13 de Maio, Dia da Abolição da Escravatura. Assim, era desconstruído mais um mito da democracia racial brasileira: o da liberdade concedida.
CAIXA - Dia da Consciência Negra from Thomaz Munster on Vimeo. |
Graças à Oliveira Silveira restaurava-se a verdade: a combatividade negra durante todo o período de escravização, assim como a denúncia da ação do racismo, do preconceito e da discriminação racial no Brasil nos tempos contemporâneos.
Uma vez que o dia da consciência negra suscita em toda sociedade uma reflexão sobre as relações de poder entre pessoas negras e brancas e diante dos resultados que estão sendo apresentados regularmente na imprensa quanto ao Censo 2010, os quais evidenciam por um lado que a população negra é maioria numérica, e por outro que é o grupo de maior vulnerabilidade social, cabe ao programa “ALERJ em debate”, buscar responder, na medida do possível, a seguinte pergunta:
- Como superar as iniquidades (problemas no acesso) e disparidades (problemas no cuidado) raciais em saúde no Estado do Rio, em especial, e no Brasil como um todo?
No sentido de responder à pergunta, considero que superação das desigualdades raciais começará quando formos capazes de identificar o racismo institucional e sua forma de atuação. Por definição, o racismo institucional[i] pode ser evidenciado ou detectado em processos, atitudes ou comportamentos que denotam discriminação derivada de estereótipos, preconceito inconsciente, ignorância ou falta de atenção e que colocam pessoas e grupos em situações de desvantagem. Esta definição foi criada Stokeley Carmichel (1941-1998) e Charles Hamilton, dos Panteras Negras.
Teste seu conhecimento
Taxa de homicídios por raça/cor em pessoas com 15 anos ou mais, segundo escolaridade, Brasil, 2000 e 2008. SIM/SVS/MS e IBGE
As condições socioeconômicas melhoraram no período, mas a taxa mortalidade não foi reduzida para os negros, ao contrário. O que os dados revelam?
Se você respondeu racismo institucional e estrutural, acertou!!!!
Os dados expressos no gráfico revelam o racismo justamente quando verificamos que a taxa mortalidade de jovens negros escolarizados (ou seja com potencial de mobilidade social) é significativamente superior a taxa de mortalidade de jovens brancos na mesma condição social.
Direto ao ponto: maior escolaridade (e possivelmente maior renda) não protege a pessoa negra das ações discriminatórias perpetradas por uma sociedade estruturada no racismo. Os dados do censo 2010 e dos bancos de dados do SUS revelam o racismo estrutural.
E como o racismo estrutural ou institucional opera? O racismo estrutural não se apresenta necessariamente na forma de atitudes discriminatórias explícitas (utiliza a linguagem codificada, a violência simbólica), mas sim na forma de resultados negativos ou desiguais para o grupo vulnerável (negação da necessidade).
O racismo institucional caracteriza-se pelo racismo indireto, sutil e infiltrado nos processos e procedimentos da instituição, “mas não menos destrutivo às vidas humanas”.
-Resultados iníquos ou díspares quanto a problemas preveníveis em uma atmosfera “sem racismo direto” (nível macro)
-Não reavaliação das práticas e protocolos para promoção da equidade racial
-Não compartilhamento do poder decisório e/ou executivo (controle social nulo)
-Alguém, na linha do cuidado de saúde, realmente fazendo “algo” que afeta desproporcionalmente o/a paciente negro/a (nível micro).
-Participação social por assimilação ou “tokenismo” (representação equivocada ou subrepresentação)
-Culpabilização da vítima (na saúde: do/a paciente)
-Desvio do foco: “o problema é social (pobreza, por ex) e não de saúde”
-Indiferença do/a gestor/a diante da necessidade do/a usuário/a e do que preconiza a prática baseada em evidência científica.
-Práticas sistematicamente hostis baseadas em estereótipos e que ignoram as necessidades especiais do grupo vulnerável e a qualidade em saúde (Segurança, Efetividade, Cuidado Centrado na pessoa, Precisão, Eficiência e Equanimidade)
E como o poder legislativo pode ajudar a prevenir e combater o racismo estrutural ou institucional no Estado do Rio? Na qualidade de fiscal do poder executivo, o poder legislativo deve consagrar a equidade racial como padrão ouro para avaliação das políticas públicas, uma vez que racismo é crime contra os DH.
No sentido
de ajudar na implantação de leis já existentes, creio que o poder legislativo
pode também propor uma indicação ao poder executivo no sentido de agilizar a
aplicação no Estado do Rio do que preconiza o estatuto da Igualdade Racial e,
incluso nele, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN)
No que se refere à PNSIPNP especificamente, visando a sua implantação no nível
estadual, o legislativo deve indicar a ao poder executivo, por exemplo, criação
de uma agência estadual para implantação, monitoramento e avaliação da PNSIPN.
Esta agência deve, entre outras ações, identificar as situações especiais de
agravo à saúde da população negra e planejar ações conjuntas com as demais áreas
técnicas da SES visando a promoção da saúde, o diagnóstico precoce e a redução
das mortes evitáveis neste segmento populacional; apoiar
e incentivar a formação de profissionais de saúde para a implantação e
implementação da atenção qualificada à saúde da população negra; apoiar as
organizações do movimento negro para o controle social, entre outras.
Também no sentido de reduzir as desigualdades raciais no Estado do Rio, o poder legislativo deve indicar para o poder executivo a criação de estratégias para localizar e inscrever a população negra (preta ou parda) em programas de distribuição de renda o que contribuirá para a diminuição do número de pessoas em situação de extrema pobreza no Estado do Rio. Ao agir deste modo, o poder legislativo abordará de uma só vez dois importantes determinantes sociais da saúde: a pobreza e o racismo.
Uma outra iniciativa para a redução das desigualdades raciais no Estado do Rio seria propor ao Executivo a criação de um Comitê de Monitoramento das Desigualdades Raciais de modo a acompanhar e avaliar todas as políticas e programas públicos, investigando as causas das iniqüidades e disparidades raciais nos resultados das instituições públicas estaduais e, necessariamente, propondo soluções/intervenções imediatas para correção do processo de perpetuação do racismo estrutural.
No que se refere ao racismo nas unidades de saúde, a poder legislativo pode e deve ajudar a desconstruir o racismo institucional no SUS propondo, por ex:
- a criação de uma subcomissão sobre Saúde da População Negra no âmbito da Comissão Permanente de Combate às Discriminações e Preconceitos de Raça Cor Etnia Religião e Procedência Nacional com a finalidade de defender os direitos do usuário/a negro/a do SUS.
- a criação em cada Instituição de Saúde do Estado do Rio de uma Comissão Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Ceppir), tripartite (gestor, funcionário e comunidade/movimento social organizado) com a missão precípua de monitorar as disparidades raciais no tratamento de saúde de alta complexidade e superação destas disparidades, avaliando se necessário a indenização pecuniária das vítimas. Cabe ressaltar porém que o combate ao racismo institucional nas unidades de saúde passa pela garantia da qualidade do atendimento ao cliente ou usuário/a.
Uma vez que a população negra é a mais pobre (todavia pagador[a] de 53,9% imposto/2 sal-min ) e, nesta faixa de renda, 100% SUS dependente; e diante do fato de que há evidência de práticas sistematicamente hostis baseadas em estereótipos e que ignoram as necessidades especiais do grupo vulnerável (vide pesquisas da FIOCRUZ sobre atendimento nas maternidades, sobre aleitamento; vide pesquisa do IPEA sobre transplantes, etc), comprometendo a qualidade em saúde (Segurança, Efetividade, Cuidado Centrado na pessoa, Precisão, Eficiência e Equanimidade); e de que é impossível garantir qualidade do cuidado em saúde com uma taxa de 0,8 enfermeiras/os (de nível superior) por cada 1.000 hab/SUS quando a Organização Mundial da Saúde determina o mínimo de 2 enfermeiros/as por 1000 habitantes.
É fácil avaliar o impacto deste déficit de profissionais quanto ao atendimento das pessoas com necessidade de cuidados de saúde de média e alta complexidade pelos quais o Estado é responsável. Este impacto negativo é muito maior sobre a população negra usuária 100%.
Não basta olhar apenas para as taxas de mortalidade. É preciso monitorar as taxas de morbidade das instituições de saúde estaduais quanto às disparidades raciais na prestação de seus serviços à população.
No poder legislativo do estado do Rio, há atualmente uma deputada que foi presidente do conselho de enfermagem, a Enfermeira Rejane. Agora, na qualidade de deputada estadual, a Enfermeira Rejane pode ajudar no cumprimento de leis já existentes sobre a relação numérica enfermeira/paciente nas instituições de saúde. Caso a legislação do conselho profissional não seja suficiente (e parece que não é), cabe propor uma lei estadual para obrigar o Estado a fazer o que deve ser feito, a saber: prestar o cuidado de saúde com qualidade para a população porque a qualidade é indissociável da justiça social e do conhecimento científico.
Nesta semana em que se celebra a imortalidade de Zumbi dos Palmares e a Consciência Negra, deixo no programa ALERJ em Debate a minha resposta com a sugestão de algumas ações concretas para combater as desigualdades raciais. A busca da justiça é a condição para conquistarmos uma sociedade pacífica. Esta busca deve ser realizada por todos e todas, de qualquer cor ou origem.
[1] O conteúdo deste texto foi objeto do programa ALERJ em debate gravado em 22 de novembro de 2011. Assista o vídeo (http://www.tvalerj.tv/PlayMedia.do?mediaId=12034):
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BNN - ISSN 1676-4893
Boletim do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Atividades de Enfermagem (NEPAE)e do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra (NESEN).