Boletim NEPAE-NESEN enfermagem científica

Aproximando a Lei 10639 e a PNSIPN nos cursos superiores em saúde

Isabel CF da Cruz (UFF), Rosália de O. Lemos (IFRJ), Ana C. Barbosa (IFRJ), Príscila M. de Siqueira (IFRJ) e Marcos J.C. Freitag (IFRJ)

 

Breve descrição do contexto:

Ao ser promulgada no ano de 2003, a Lei 10639, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura da África e dos Afrobrasileiros, o Estado brasileiro reconheceu a reivindicação histórica do Movimento Negro e apontou para a promoção de uma educação mais democrática e inclusiva.

Neste sentido, o IFRJ - Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, através do projeto DIÁLOGOS SOBRE DIVERSIDADE, desde 2010, trabalha para a efetiva a aplicação da Lei 10639/03 em seus cursos.

Nos diferentes Campi do IFRJ - Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, os Diálogos servem para trocas de experiências pedagógicas, formação continuada de professores, rediscussão da prática pedagógica, sugestões de novos materiais pedagógicos, assim como a re-elaboração do currículo escolar.

Mas, em especial, no campus de Realengo, onde acontecem os cursos superiores da área da saúde, a saber: Farmácia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, surgiu uma nova demanda, tendo em vista a Política Nacional de Saúde da População Negra (PNSIPN).

Por sua vez, a PNSIPN define o conjunto de princípios, marcas, diretrizes e objetivos voltados para a melhoria das condições de saúde desse segmento da população. Inclui ações de cuidado e atenção à saúde, bem como de gestão participativa, controle social, produção de conhecimento, formação e educação permanente de trabalhadores de saúde, visando à promoção da eqüidade em saúde da população negra.

Descrição do problema:

Ainda que existam leis que obriguem os temas saúde e historicidade da população negra nos currículos, isto não acontece de forma natural e rápida, tendo em vista que a sociedade como um todo e as instituições em especial possuem em suas estruturas processos e mecanismos discriminatórios e mantenedores de relações desiguais de poder entre os grupos socialmente vulneráveis.

Na área da educação, uma das áreas que constituem os aparelhos ideológicos do Estado conforme o estruturalismo marxista, uma mudança em direção a uma pedagogia/andragogia interétnica é ainda mais dificultosa, pois as instituições de ensino (e seus profissionais) precisam antes de mais nada rever os seus mecanismos autônomos de produção e reprodução das discriminações e das relações desiguais de poder em seu interior.

Quanto à área da saúde, ainda que o estruturalismo marxista não a identifique como um dos aparelhos ideológicos de Estado, também produz e reproduz discriminações e relações desiguais de poder interétnicas, seja no processo de educação dos profissionais de saúde, seja na prática clínica.

Isto posto, o problema a ser abordado é especificamente incluir os temas saúde da população negra e a desconstrução da discriminação étnica nos cursos da área da saúde do IFRJ, conforme determina a PNSIPN, observando ainda nas práticas de ensino aprendizagem o que preconiza a Lei 10. 639.

Neste sentido, a partir da demanda da Profa. Ana Cláudia Barbosa (Fisioterapia) para a coordenadora do projeto Diálogos & Diversidade, Profa. Rosália Lemos, sobre a possibilidade de conduzir uma discussão sobre saúde da população negra no campus de Realengo, fui convidada, na qualidade de coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra, para participar de uma reunião na Pró-Reitoria de Estensão/IFRJ com o propósito de definir uma oficina sobre o tema para 2012. Para esta reunião foram convidados e estavam presentes s Profs. Príscila Marques de Siqueira e Marcos José Clivatti Freitag, ambos da Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (PROGRAD).

A partir da esquerda: Profs. Príscila Siqueira, Isabel Cruz, Ana Barbosa, Rosália Lemos e Marcos Freitag
Foto: Jorge de Moraes, Assessoria de Comunicação Social/Reitoria do IFRJ.

Medidas chaves para a mudança:

Na forma de um desdobramento do programa Diálogos & Diversidade, entendeu-se ser fundamental realizar um trabalho  sócio-político-pedagógico com os  professores da área da saúde, buscando identificar suas visões tanto acerca da aplicabilidade da Lei 10639/03 quanto da PNSIPN nas diversas disciplinas e, principalmente, naquelas relacionadas à prática clínica dos graduandos/as, assim como nas atividades de pesquisa e extensão.

Este trabalho acontecerá na forma de encontros de trabalho onde será facilitada a troca de experiências com profissionais de saúde e educadores de outras instituições com expertise em saúde da população negra e desconstrução das discriminações.

Próximos passos:

Ficou definido na reunião que em 2012 será iniciado o processo de inclusão da temática saúde da população negra e enfrentamento das discriminações, assim como o tema referente à historicidade da população negra brasileira.

O processo acontecerá observando sempre as demandas e especificidades dos cursos da área da saúde do IFRJ.

Como resultado da reunião, ficou entendido que as oficinas de trabalho deverão acontecer visando identificar no desenvolvimento dos currículos o espaço para a inclusão de disciplina optativa sobre saúde da população negra, utilizando a abordagem semi-presencial para alcançar inclusive licenciandos em outros campi.

O propósito é que os/as graduandos/as desenvolvam uma visão multicultural da saúde, assim como a habilidade de estabelecer um relacionamento profissional terapêutico, culturalmente competente, firmado em uma perspectiva anti-racista e sexista.

Para tanto, é necessário incluir nos cursos de graduação em saúde o treinamento e prática da competência cultural enquanto uma habilidade fundamental para o exercício das profissões da saúde.

Por ser o ensino-aprendizagem nas instituições de ensino superior vinculado à pesquisa, o processo de inclusão da temática saúde da população negra deverá propiciar o desenvolvimento de pesquisas multidisciplinares, assim como construir e disseminar conhecimentos baseados em evidências científicas sobre desconstrução do racismo, saúde da população negra e inclusão social.

No entorno do campus de Realengo, onde acontecem os cursos da área da saúde do IFRJ, a inclusão do tema saúde da população negra nas atividades de ensino, pesquisa e extensão deverão causar como uma positiva conseqüência o empoderamento das comunidades do entorno, assim como a melhoria do controle social da saúde.

Para finalizar, observo que um positivo resultado secundário decorrente da inclusão do tema saúde da população negra nos cursos da área da saúde do IFRJ será o estabelecimento da instituição como uma defensora dos direitos da população negra à saúde, criando ou fortalecendo parcerias e redes de trabalho estratégicas no entorno do campus, principalmente.

De qualquer forma, será uma experiência tanto necessária quanto inovadora. Aprenderemos muito com ela.

Apontamentos

  • Não há apontamentos.


BNN - ISSN 1676-4893 

Boletim do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Atividades de Enfermagem (NEPAE)e do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra (NESEN).