SISTEMA
NACIONAL DE POLÍTICAS PARA AS
MULHERES NEGRAS - Subsídios & recomendações para a equidade
étnico-racial
Prof. Dra. Isabel C. F. da
Cruz
Doutora em Enfermagem
pela Universidade de São Paulo (1993). Titular da Universidade Federal
Fluminense (1994). Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra
– NESEN (1993). Contato: isabelcruz@uol.com.br
ou www.nepae.uff.br
Introdução
Inicialmente, gostaria de
agradecer o convite feito pela organização da Marcha das Mulheres Negras para
participar na I Conferência Livre de Políticas Públicas para as Mulheres Negras-
Niterói.
O Núcleo de Estudos sobre
Saúde e Etnia Negra - NESEN[1] ,
criado em 1994, desenvolve pesquisas inter-disciplinares e inter-institucionais
sobre o racismo & sexismo institucional e sua desconstrução. É um pouco
dessa experiência que trazemos aqui para discutirmos as necessárias políticas
públicas para o empoderamento e emancipação sócio-econômica da mulher negra, em
especial, e da população em geral.
Neste sentido, tendo em vista
a realização da 4ª. Conferência Nacional de Mulheres[2],
em 2016, para elaboração do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
(2016-18), perguntamos:
-
Por que realizar uma conferência exclusiva sobre mulheres negras?
- Porque reproduz-se entre iguais
(mulheres brancas & negras, no caso) a estrutura de poder baseada em
privilégios & barreiras, fundamento de toda e qualquer ideologia opressiva.
E porque o feminismo negro denuncia
tanto o racismo quanto o sexismo que mantêm os processos de discriminação institucional
na sociedade (escolas, hospitais, trabalho, etc), igualmente enfraquecem a
organização e a participação política dos grupos não-hegemônicos.
No contexto antidemocrático
& discriminatório em que vivemos, é necessária uma forte coesão das
mulheres negras para conquistar, inicialmente, a implementação efetiva das
políticas afirmativas para superação
das iniquidades raciais e de gênero[3],
bem como para enfrentar os segmentos populacionais temerosos de perder seus
privilégios e, finalmente, ajudar no estabelecimento de uma sociedade realmente
democrática.
Então,
após a Conferência Livre das Políticas Públicas para as Mulheres Negras –
Niterói, para o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2016-18), deveremos ser capazes de ao menos:
-
Estabelecer metas de equidade étnico-racial (brancas, pretas
& pardas) no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres 2016 – 2018, bem
como nos planos estaduais e municipais.
Desenvolvimento
Breve panorama
socioeconômico das mulheres negras – Niterói (IBGE/2010)
Já
garantimos igualdade ou equidade
étnico-racial no mundo do trabalho e autonomia econômica?
Observe o gráfico e responda à pergunta.
Se o
racismo institucional pode ser evidenciado/detectado em processos, atitudes ou
comportamentos que denotam discriminação derivada de estereótipos, preconceito
inconsciente, ignorância ou falta de atenção e que colocam pessoas e grupos em
situações de desvantagem[4],
então, o descumprimento pelo Estado do Estatuto da Igualdade Racial mantém, ano
após ano, a mulher negra fora do mercado de trabalho ou apenas em atividades
mal remuneradas o que constitui uma discriminação institucional de gênero e
raça que aprofunda os mecanismos de exploração.
Temos
educação que promove igualdade ou equidade e cidadania?
Observe o gráfico e responda à pergunta.
Ainda que os dados de pesquisa mostrem que as mulheres negras são as que
apresentam maiores taxas de desemprego, apesar de serem mais escolarizadas do
que os homens[5], a baixa
escolaridade da mulher negra (no nível superior e médio), em Niterói, combinado
com outros fatores que dificultam a inserção ocupacional, como os relativos ao
preconceito, tornam este segmento ainda mais fragilizado frente aos demais, e,
portanto, menos capaz de superar a desconfortável situação de desemprego.
Temos acesso à saúde integral e aos direitos
sexuais e direitos reprodutivos?
Salvo
melhor juízo, o que exemplifica melhor a intersecção entre racismo e sexismo em
relação à mulher negra é a atenção perinatal.
Vergonhosamente,
a mortalidade materna é uma das 10 primeiras causas de morte
evitável no Brasil, enquanto nos países
desenvolvidos e com justiça social, como o Canadá, por exemplo, cuja taxa é de
3,7. Na cidade que se vangloria de ser a melhor em qualidade de vida a taxa é
de 16, 3!
Isto porque na cidade de Niterói-RJ[6], embora o percentual de mulheres com 7 ou
mais consultas tenha se mantido acima de 80%, com diferenças de acordo com
idade, escolaridade e cor da pele, tiveram mais chances de pré-natal adequado:
adultas; com oito anos ou mais de estudo; e brancas. Donde podemos concluir que
nos casos que levam à alta taxa de mortalidade materna do munícipio muito
provavelmente a maioria é de mulheres negras. Uma vez que a assistência perinatal é um importante
indicador sobre o grau de (má) qualidade da assistência de saúde, então nesta
área o Município não corrigiu as iniquidades étnico-raciais em saúde, devendo
urgentemente implantar a PNSIPN.
Temos assegurado o enfrentamento de todas as
formas de violência*?
Segundo o Dossiê Mulher 2015[7] os
casos, em Niterói, foram: *ameaça (1518), estupro (145), tentativa de estupro (18), homicídio
doloso (3), lesão corporal dolosa (1459), calúnia/difamação/injúria (1408),
constrangimento ilegal (34), violação de domicílio (117), dano (87), supressão
de documentos (29) e violência patrimonial
(233).
|
14
mulheres vítimas de violência/24h |
Estamos fortalecidas (quantidade & qualidade)
e participando nos espaços (executivo, legislativo & judiciário) de poder e
decisão?
No Brasil, nas eleições 2010, as mulheres negras representaram 4% do
total de candidaturas a todos os cargos[8].
Em Niterói, foi eleita apenas 01 vereadora negra. Em que pese o setor público
ter que realizar o censo dos funcionários e dar transparência às informações,
não temos informação sobre o grau de inclusão das mulheres negras no Poder
Executivo e Judiciário Municipais. Contudo, há uma legislação de ação
afirmativa para os concursos públicos e deve-se fiscalizar a observância da lei
pelos órgãos municipais.
Há outras tantas perguntas:
♀ Desenvolvimento sustentável com
igualdade/equidade econômica e social?
♀ Direito à terra com igualdade/equidade para
as mulheres do campo e da floresta?
♀ Cultura, esporte, comunicação e mídia?
♀ Enfrentamento do racismo, sexismo e
lesbofobia?
♀ Igualdade/equidade para as mulheres jovens,
idosas e mulheres com deficiência?
Certamente, temos que buscar outros mecanismos mais perenes para garantir
nossa coesão em torno das nossas reivindicações e de uma estratégia política,
tendo em vista que os dados revelam o impacto do racismo
institucional sobre as condições sócio-econômicas da mulher negra com
consequências na sua saúde & bem-estar.
Recomendações
de políticas de equidade racial & gênero
No
nosso entender, as políticas públicas afirmativas precisam ser executadas com
urgência para que possamos obter a equidade de gênero e de raça e
principalmente o respeito aos direitos humanos mais fundamentais.
� ♀ Prevenção
do racismo/sexismo institucional com educação e cultura anti-discriminatória
baseada no respeito mútuo
� ♀ Promoção da
equidade nas áreas de saúde, educação & trabalho (metas diferenciadas e/ou
afirmativas nos cargos, planos e programas, implantação da #PNSIPN,
representação política, etc)
�
♀ Incentivo & apoio à escolarização ou retorno à
escola/desenvolvimento profissional das mulheres negras (creches nas escolas e
locais de trabalho, acompanhamento escolar, por ex).
Considerações
finais
Os indicadores de Niterói revelam
uma profunda desvantagem das mulheres negras em relação a outros grupos étnicos
e são muito sugestivos de racismo institucional. Com a finalidade, portanto, de
desconstruir o racismo o sexismo, bem como fortalecer a organização do
feminismo negro e o controle do social na cidade, arrolamos algumas recomendações. Definitivamente, para estabelecer ações afirmativas
a mulher negra, em Niterói, é preciso pensar global e agir localmente.
Referências bibliográficas
[1] CRUZ, I.C.F. da Health and African-Brazilian Ethnicity Research Group. Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN -ISSN 1676-4285) v.1, n.1, [Online]. Available at: www.uff.br/nepae/africanbrazilianhealth.htm
[2] Secretaria de Políticas para as
Mulheres – SPM - Conferência Nacional de Políticas para
as Mulheres, março, 2015. http://spm.gov.br/noticias/4a-conferencia-nacional-de-politicas-para-as-mulheres-sera-em-marco-de-2016
[3] CRUZ, Isabel Cristina Fonseca da; PINTO, Andréia Soares.
Condições para a saúde e o bem-estar? Inquérito sobre as mulheres negras do
Estado do Rio de Janeiro. Cad. Saúde Pública, Rio de
Janeiro , v. 18, n. 1, p. 340-341, Feb. 2002 .
Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2002000100035&lng=en&nrm=iso>.
access on 17 Aug. 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2002000100035.
[4] The Lancet. Institutionalised racism in health care. The Lancet,
v. 353, n 9155, p. 765, 1999.
[5]DIEESE. Escolaridade e
Trabalho: desafios para a população negra nos mercados de trabalho
metropolitanos, 2007. Disponível em http://www.dieese.org.br/estudosepesquisas/2007/2007pednegrosescolaridadeetrabalho.pdf
[6] FONSECA, Sandra Costa et al . Inequalities in prenatal care
in a southeastern city in Brazil. Ciênc. saúde coletiva, Rio de
Janeiro , v. 19, n. 7, p. 1991-1998, July 2014 .
Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232014000701991&lng=en&nrm=iso>.
access on 06 June 2015.
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014197.04212013.
[7] Dossiê Mulher 2015 http://arquivos.proderj.rj.gov.br/isp_imagens/uploads/DossieMulher2015.pdf
[8] SEPPIR- A participação das mulheres negras nos
espaços de poder, 2010. Disponível em http://www.portaldaigualdade.gov.br/central-de-conteudos/publicacoes/pub-acoes-afirmativas/a-participacao-das-mulheres-negras-nos-espacos-de-poder
Apontamentos
- Não há apontamentos.
BNN - ISSN 1676-4893
Boletim do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Atividades de Enfermagem (NEPAE)e do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra (NESEN).