Diagnóstico
de Enfermagem: Qual a Abordagem no Novo Currículo?[1]
Gostaria de inicialmente agradecer o convite da comissão organizadora do
III Simpósio Nacional sobre Diagnósticos de Enfermagem (Fortaleza, Ceará)
para participar desta mesa-redonda. O tema proposto é instigante uma vez que
pretende discutir a abordagem do novo currículo a partir dos diagnósticos de
enfermagem.
O novo currículo mínimo de graduação em enfermagem foi aprovado em dezembro
de 1994. E neste momento várias instituições de ensino superior estão
desenvolvendo a nova grade curricular.
De modo sintético, o currículo novo compreende disciplinas relacionadas às ciências
biológicas (morfologia, fisiologia, entre outras), ciências humanas
(antropologia, sociologia, entre outras), fundamentos de enfermagem com 25% da
carga horária do curso (história, deontologia, ética, epidemiologia, bioestatística,
saúde ambiental. semiologia e semiotécnica, metodologia da pesquisa), assistência
de enfermagem com 35 % da carga horária (conteúdos teóricos e práticos sobre
clínica, cirurgia, psiquiatria, ginecologia-obstetrícia e saúde coletiva) e
administração em enfermagem com 15% da carga horária. Está previsto ainda o
estágio supervisionado de dois semestres letivos.
Diante desta síntese sobre o novo currículo, pergunta-se quando e como o diagnóstico
de enfermagem pode ser introduzido enquanto conteúdo e habilidade a ser
desenvolvida.
Diagnóstico, Prescrição e
Resultado: Tripé das Ações da Enfermeira
Entre os diversos instrumentos que podemos utilizar
para o exercício
profissional, temos o processo de enfermagem. O processo de
enfermagem o
método preconizado
para implementação
da assistência. Ha uma tendência mundial em estabelecer como tripé da
prática profissional o diagnóstico, as
prescrições e os resultados dessas prescrições. Essa tendência caminha
para a construção de taxonomias de enfermagem que organizam os fenômenos com
os quais lidamos profissionalmente
Em 1989, o International Council of Nursing (ICN) aprovou uma resolução sobre
o desenvolvimento de um projeto para a criação de uma Classificação
Internacional da Prática de Enfermagem. O objetivo deste projeto é organizar
os fenômenos relacionados ao diagnóstico, prescrição e avaliação dos
resultados da assistência de enfermagem (CLARCK; LANG, 1992), uma vez que vários
países no mundo estão desenvolvendo ou utilizando algum tipo de classificação.
No Brasil por exemplo utiliza-se mais o código internacional de doenças, tendo
em vista o atavismo do ensino e da prática de enfermagem aos problemas médicos.
No final da década de 80, as enfermeiras brasileiras passaram a tomar contato
com classificações de enfermagem, tais como a da NANDA sobre diagnósticos e a
de BULLECHEK; McCLOSKEY (1992) sobre prescrições.
O Brasil, enquanto membro do ICN, está engajado neste projeto, tendo
inclusive participado em uma de suas reuniões consultivas, onde se discutiu a
prática de enfermagem em Atenção Primária em Saúde. O projeto, de uma forma
indireta, tem propiciado uma reflexão sobre o status destas atividades em nossa
prática e no nosso ensino profissional.
A inserção dos diagnósticos de enfermagem no novo currículo depende
do reconhecimento por parte do corpo docente de que há uma dificuldade em
organizar e
sintetizar os
dados significativos sobre o cliente e nomeá-los de uma forma que seja
própria e especifica para as enfermeiras. A partir de então todas as
disciplinas deverão adotar uma estratégia dirigida para a formulação dos
diagnósticos de enfermagem e o para desenvolvimento da habilidade sobre
julgamento clínico no seu campo de prática.
Na literatura profissional, verificamos que a sistematização da assistência,
incluído nessa sistematização o diagnóstico
e a prescrição, inicia-se
no Brasil com as pesquisas da Dra. Wanda de
Aguiar Horta. O modelo conceptual de Wanda
Horta ainda
hoje influencia fortemente,
tanto positiva quanto negativamente, as enfermeiras. O aspecto negativo é que
a implementação do seu
modelo conceptual não
observa a correlação
de suas
principais fases,
ou seja,
histórico, diagnóstico, prescrição e resultado. Esta
ausência de correlação é,
em nosso entendimento, um dos fatores
responsáveis pela resistência
entre os
profissionais à
utilização do método do processo de enfermagem enquanto um instrumento
de trabalho a ser utilizado em seu cotidiano profissional. Consequentemente,
cria-se uma barreira .à inserção do diagnóstico nas práticas curriculares,
ainda que este outro modelo busque justamente corrigir o problema de base.
Preocupa-me profundamente que permaneça no novo currículo a situação
já cristalizada no velho, a saber: o diagnóstico, enquanto etapa do processo
de enfermagem,
ou não o integra totalmente ou é substituído por sinais,
sintomas e equipamentos,
entre outros elementos (inclusive a doença), nas (poucas) instituições onde
há a sistematização
das atividades
de enfermagem.
Contudo, a identificação e a conseqüente classificação sobre o que
as enfermeiras fazem quando
cuidam de clientes
individuais ou
grupos são componentes críticos
para o desenvolvimento dos conhecimentos
de enfermagem (CRUZ, 1993). Persistir no modelo biomédico não
representa retrocesso, simplesmente burrice.
Diagnóstico, Prescrição e Resultado no Novo Currículo
No momento em que escrevo este trabalho, desconheço que alguma escola de
enfermagem no Brasil tenha adotado uma classificação de enfermagem como um dos
eixos para o desenvolvimento de seu currículo. Sei que individualmente alguns
professores em São Paulo, Paraíba e Rio de Janeiro têm implementado a
classificação da NANDA em seus campos de prática e disciplina. Entretanto
isto não significa, por exemplo, que todo o conteúdo da disciplina tenha sido
construído predominantemente com base nos diagnósticos. Quero dizer com isso
que eles ainda ocupam o mesmo lugar da “assistência de enfermagem”, ou
seja, o lugar de apêndice nos conteúdos sobre as patologias.
Assim, falar sobre diagnósticos no novo currículo é um exercício de
futurologia. Ao olhar em minha bola de cristal vejo que fazer histórico, fazer
diagnóstico, presvrever e avaliar o resultado da prescrição serão as
ferramentes indispensáveis para o exercício profissional. Portanto, do
primeiro ao último período, do ciclo básico ao profissional, todas as
disciplinas, todos os conteúdos todas as práticas serão em função da
habilidade em fazer o histórico (entrevista e exame físico), fazer o diagnóstico
de enfermagem, prescrever e implementar os cuidados e avaliar o resultado destes
cuidados.
Um exemplo. Para que nos servirá semiologia e semiotécnica de
enfermagem? Penso eu que para ajudar a coletar dados subjetivos e objetivos
relevantes que nos ajudem no processo de julgamento clínico de formulação dos
diagnósticos de enfermagem. Caso contrário, ficaremos cada vez mais
instrumentalizadas para formular os diagnósticos médicos e não sendo médicas
colecionaremos mais um conhecimento inútil.
Nas disciplinas do bloco de assistência de enfermagem a abordagem será
principalmente pelos diagnósticos de enfermagem ao invés de ser (apenas) pelos
diagnósticos médicos. Assim, os professores das respectivas disciplinas
utilizarão os diagnósticos de enfermagem enquanto roteiro para orientar e
redefinir os conteúdos teórico-práticos, identificarão os diagnósticos
conforme o seu nível de aplicabilidade de forma que possam ser ensinados desde
os períodos iniciais, implementarão estratégias que desenvolvam o julgamento
clínico.
Cabe observar porém que este processo exige paralelamente, ou melhor,
inicialmente preparo e compromisso por parte do corpo docente. Há que se pensar
na organização e na sequência dos diagnósticos dentro do currículo, assim
como as respectivas prescrições e tratamentos de enfermagem.
Há
que se pensar também na escolha dos livros textos. Aliás este é um aspecto
que merece uma discussão à parte. Os livros textos, em sua maioria traduções,
baseiam-se atualmente em classificações de diagnósticos e prescrições de
enfermagem. Contudo, os professores das disciplinas que os indicam parecem não
ter opinião definida sobre o tema. Isto é, no mínimo, curioso.
Para finalizar o exercício de futurologia, prevejo que o currículo de
enfermagem será realmente considerado novo se buscar ser inovador. Um currículo
inovador deve calcar-se nos conhecimentos de enfermagem, principalmente, nas
habilidades fundamentais da profissão (diagnóstico-prescrição-resultado), no
cliente/família/comunidade em seu processo de bem-estar/mal-estar, formando um
profissional autônomo, liberal e
humanista.
Considerações
Finais
Novos instrumentos estão sendo propostos para
implementar o processo de
trabalho em enfermagem. Estes instrumentos, dos
quais destacamos o diagnóstico e a prescrição, ajudam-nos a
identificar as respostas da nossa clientela aos problemas de saúde e a
tratar (ou ajudar a clientela a se tratar) estas mesmas respostas.
O novo currículo de enfermagem que está sendo implantado neste momento
surge como uma oportunidade de reflexão sobre os rumos que devemos tomar. A
incorporação destes instrumentos é fundamental, mas não deve ser feita de
forma isolada, individual. Deve ser resultado do reconhecimento de que eles são
simplesmente essenciais para se fazer Enfermagem.
Referências
Bibliográficas
BRASIL,
leis. Portaria n# 1721 de 15 de
dezembro de 1994. Dispõe sobre o
currículo mínimo de
enfermagem Diário Oficial da União, n. 238, Brasília, 16/12/94, p. Seção
1, p.1981.
BULECHECK,
G.M.; McCLOSKEY,
J.C. Defining and
validating nursing interventions. Nurs
Clin North Am, v. 27, n. 2, p. 289-99,
1992.
CLARCK,J;
LANG, N. Nursing's next advance: an
international classification for nursing practice. Int Nurs Rev,
v. 39,
n. 4, p. 109-12;28, 1992.
CRUZ,
I.C.F. da Diagnósticos de
Enfermagem. Estratégia
para sua formulação e
validação. São Paulo,
1993. 157p.
Tese (Doutorado) - Escola de
Enfermagem, Universidade de
São Paulo.
NORTH
AMERICAN NURSING DIAGNOSIS ASSOCIATION Taxonomy
I - revised 1989: with
official diagnostic categories. St. Louis,
1990.
[1]
O trabalho foi elaborado para apresentação em mesa-redonda, mas não foi
apresentado por razões que preferimos não comentar.
[2]
Doutora em Enfermagem. Titular do Deptº de Enfermagem Médico-Cirúrgica da
Universidade Federal Fluminense. Professora da Pós-Graduação da Escola de
Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Pesquisadora do CNPq.
Coordenadora do NEPAE- Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Atividades de
Enfermagem. Telefax (55-021) 709-3522. E-mail: mqfcruz@nitnet.com.br
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BNN - ISSN 1676-4893
Boletim do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Atividades de Enfermagem (NEPAE)e do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra (NESEN).