Black Population

Medição e monitoramento das iniquidades e disparidades – estratégias para combate ao racismo institucional no SUS.

Profa. Dra. Isabel Cruz[*]

 

Breve descrição do contexto:

O item raça/cor não faz parte dos Indicadores Básicos para a Saúde em que pese a exclusão social por pertencimento a um grupo étnico ser um determinante social da saúde (DSS) para a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O relatório final da Comissão de DSS (2008), no site da ENSP, também é omisso quanto à exclusão social por raça/cor e gênero. Até porque, por conveniência foi selecionado um modelo teórico para análise das condições no Brasil que não contempla raça/cor/racismo como um DSS. Assim, em quase 300 páginas de relatório, apenas em um parágrafo há uma referência à iniqüidade em saúde associada ao pertencimento étnico indicando que a mortalidade infantil indígena é superior, inclusive, a de pretos e pardos. Só.
Fatos como estes apontam para a necessidade de o Seminário Preparatório da Conferência Mundial sobre os Determinantes Sociais da Saúde ser uma oportunidade para revisão deste erro histórico para com a população brasileira.

Descrição do problema:

Qual a razão de as iniqüidades e disparidades étnicas em saúde e no sistema de saúde não serem medidas e monitoradas de forma prioritária no Brasil? Qual a razão de o item cor/raça não se constituir um indicador básico para medição e monitoramento, se ele faz parte do sistema de coleta de informações em saúde?

Medidas chave para a mudança (ou melhoria):

É necessário que os pesquisadores da área da saúde internalizem a necessidade de realizar a medição e o monitoramento das iniqüidades e disparidades por cor/raça. Ainda há pesquisadores que sugerem mais pesquisas para definição de uma categoria sobre raça numa sociedade multirracial como a brasileira[1]. Há outros[2] que já utilizam os dados disponíveis, por exemplo, no Sistema de Informação sobre Mortalidade e no Sistema de Informação de Internação Hospitalar para investigar a violência; enquanto outros[3], na mesma publicação do The Lancet sobre saúde no Brasil, alegam que embora haja desigualdades desfavoráveis para pretos, pardos e indígenas, o “debate sobre preconceito e discriminação é recente no Brasil” e reconhecem que sabem pouco sobre as inter-relações entre desigualdades socieconômicas e raciais que geram as diferenças de saúde.

É preciso dizer que as justificativas dos pesquisadores da área da saúde, especificamente, para não medir e nem monitorar as iniqüidades e disparidades relacionadas à raça/cor são pífias e tentam, sem sucesso, esconder seu preconceito. O item cor quase sempre esteve presente nos censos brasileiros, documentos civis e bancos de dados da área da saúde. Assim, a não medição e o não monitoramento destas informações são opções políticas expressas por um discurso falsamente científico, por ser ideológico, modelado para preservar a estrutura de poder que mantém a opressão.

Em síntese, a razão principal para não se medir (ou medir mal) e não monitorar as iniquidades e disparidades por meio do item cor/raça é, salvo melhor juízo, o racismo institucional. Portanto, dentre as medidas chave para a mudança do contexto estão a medição e o monitoramento das iniqüidades e disparidades em saúde a partir dos grupos étnicos que compõem a população brasileira.

Cabe observar ainda que não realizar a medição e o monitoramento dos fenômenos relacionados ao item cor/raça é inclusive descumprir uma extensa legislação conquistada com muita luta e forte participação social, pois o debate sobre preconceito e discriminação raciais não é absolutamente recente no Brasil, tem aproximadamente uns 500 anos. As leis a que me refiro são: o Estatuto da Igualdade Racial (2010 [lei 12228]), a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (2006[CNS]; 2009 [portaria 992-MS]), Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias (2005 [portaria 1391]), Perspectiva da eqüidade no pacto nacional pela redução da mortalidade materna e neonatal: atenção à saúde das mulheres negras (2005), Resolução 196 sobre Ética em Pesquisa com Seres Humanos (1991), entre outras.

Processo de obtenção dos dados:

Pesquisa documental nas bibliotecas virtuais de Saúde da População Negra e de Determinantes Sociais da Saúde. Revisões de dados sobre a atenção à saúde da população negra provenientes de artigos científicos sobre demografia e saúde.

Análise e interpretação:

Nos textos analisados fica evidente que o item cor/raça não se constitui uma categoria de análise regular nas pesquisas, sendo poucos os estudos que tratam estes dados de forma desagregada.

Porém, o que salta aos olhos é a diferença de abordagem entre a Comissão Internacional de DSS e a Comissão Brasileira quanto ao racismo enquanto DSS. Enquanto a primeira trabalha com a terminologia “exclusão social” na qual se inclui o racismo e o sexismo; a segunda nem tangencia o tema.

No mês de julho de 2011, a imprensa deu destaque ao inquérito "Pesquisa das Características Étnico-Raciais da População: um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça", feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o qual apontou que 63,7% dos entrevistados acredita que a cor ou raça influencia na vida.

Esta informação sugere uma melhor percepção da população brasileira quanto ao racismo institucional nos mais diversos serviços. Resta agora aos gestores, profissionais de saúde e pesquisadores aguçarem sua percepção e usarem o item cor/raça para o entendimento de iniqüidades e disparidades em saúde e racismo institucional, com base nos seguintes propósitos:

1-   avaliar as políticas públicas

2-   avaliar as necessidades de saúde dos grupos populacionais, assim como o seu acesso e uso do sistema de saúde, identificando precocemente iniqüidades (barreiras ao acesso) e disparidades (desigualdade nos resultados do cuidado de saúde) para sua correção

3-   avaliar principalmente as disparidades dos resultados (por ex. negros e mulheres têm menor acesso aos transplantes[2]); e

4-   combater o racismo institucional nas instituições de saúde, avaliando a estrutura dos sistema,  identificando como as iniqüidades e disparidades são mantidas e perpetuadas e instituindo intervenções para sua correção.

Estratégias para mudanças:

A principal estratégia para a mudança e melhoria do contexto é colocar o racismo institucional na agenda, identificando-o como uma força que se conjuga com os demais DSS[4]. As ações a serem realizadas são a medição e o monitoramento regular, em base anual, por exemplo, das iniqüidades e disparidades em saúde por cor/raça.

Efeitos da mudança:

Dentre os efeitos da mudança, seguramente, apontamos a consolidação de um princípio estruturante do SUS: a equidade. Outro benefício não menos importante é a indicação do grau de bem-estar e saúde da sociedade como um todo[5], evitando mortes e morbidades preveníveis.

Próximos passos:

O racismo, assim como o sexismo[3], é um determinante social da saúde e uma reconhecida barreira ao acesso dos serviços. Não deve, portanto, ser excluído dos estudos relativos ao tema.

1-   Recomenda-se que inquéritos e pesquisas em saúde rotineiramente observem a medição do item cor/raça, conforme determinam a legislação, a ética em pesquisa, as políticas públicas e o humanismo.

2-   Recomenda-se que o monitoramento das iniqüidades e disparidades em saúde identificadas pela medição do item/cor raça aconteça com os setores técnicos e políticos do governo (SEPPIR e CTSPN-MS)

3-   Recomenda-se que o monitoramento das iniqüidades e disparidades em saúde identificadas pela medição do item/cor raça automaticamente faça surgir a pergunta: - Como o racismo institucional está operando aqui?  Só assim é possível o redirecionamento da política de saúde no sentido de combater o racismo institucional nas suas instituições e propiciar o acesso de todos e todas ao SUS e seu uso de forma satisfatória.

Referências



[*] Membro titular do Comitê Técnico de Saúde da População Negra (representação da SEPPIR [Secretaria Especial de políticas de Promoção da Igualdade Racial]) - Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa – SGEP – Ministério da Saúde. Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra – Universidade Federal Fluminense.

[2] Estudo inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que os efeitos das desigualdades sociais brasileiras se estendem às cirurgias de transplantes de órgãos como coração, fígado, rim, pâncreas e pulmão. A maioria dos transplantados são homens da cor branca. Em: http://www.seppir.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2011/07/homens-brancos-sao-maioria-dos-transplantados-negros-e-mulheres-tem-menos-acesso-a-cirurgias-segundo-ipea

[3] Miriam Leitão sobre a IBGE: Enquanto a desocupação está em 6,8% entre as mulheres brancas, por exemplo, acima da média geral e da taxa registrada entre os homens com essa mesma cor de pele (4,2%), ela salta para 9,5% entre as mulheres pretas ou negras. Fonte:  http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2011/06/22/dados-mostram-barreiras-contra-mulheres-negras-388012.asp



[1] Travassos Claudia, Williams David R. The concept and measurement of race and their relationship to public health: a review focused on Brazil and the United States. Cad. Saúde Pública. 2004;  20(3): 660-678. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2004000300003&lng=en.  doi: 10.1590/S0102-311X2004000300003.

[2] Reichenheim, ME et al Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made, and challenges ahead. The Lancet - 2011; 377 (9781): 1962-1975. DOI: 10.1016/S0140-6736(11)60053-6

[3] Schmidt, MI et al Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. The Lancet - 2011; 377 (9781): 1949-1961. DOI: 10.1016/S0140-6736(11)60135-9

[4] Cruz, I. African-Brazilian Population Health: developing equity in the Health System Online Brazilian Journal of Nursing. 2011; 9(3). Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3194

[5] Souzas, R. Diversidade e estratégia saúde da família. Saúde Coletiva, 2009; 06(34):229.

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BNN - ISSN 1676-4893 

Boletim do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Atividades de Enfermagem (NEPAE)e do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra (NESEN).