cotas sociais

Anotações sobre prevenção da fraude étnico-racial no acesso à Universidade

Profa. Dra. Isabel Cruz

Breve descrição do contexto:

Há uma produção científica sobre cotas étnico-raciais para a população negra[1] [2] [3] [4] [5], foco deste estudo, bem como sobre as estratégias voltadas para o enfrentamento do racismo institucional nas Instituições de Ensino Superior (IES). Esta produção, tão recente quanto a própria política de ação afirmativa, constitui um corpo de conhecimentos que precisa ser explorado sempre que surgem desafios à promoção da equidade étnico-racial.

Neste momento em que as cotas étnico-raciais para população negra são implementadas em âmbito federal, cresce também em  todas as pessoas o reconhecimento do incomensurável valor do benefício conquistado por meio da ação política do Movimento Negro. Ainda que em menor proporção, surgem denúncias de fraude, segundo as quais pessoas não pretas ou pardas ou indígenas estariam ingressando nas IES declarando ser pertencente aos grupos populacionais que têm direito à reparação pelos danos causados pelo grupo populacional hegemônico em consequência dos 400 anos de colonialismo e 100 anos de seus efeitos nefastos.

Formais ou não, as denúncias mostram que é preciso fazer algo no sentido de (1) prevenir o erro e o dano. Igualmente, também é preciso (2) punir quem erra, pessoa ou instituição, porque a impunidade é fomentadora de maiores conflitos. E (3), digamos assim, estornar para a ação afirmativa dirigida à população negra, o crédito resgatado com a punição. No sentido de prevenir a fraude étnico-racial no vestibular, a Universidade Federal Fluminense[6] criou uma comissão de estudo sobre o processo de acompanhamento e de aferição da autodeclaração de raça/cor. Enquanto parte desta Comissão, noto que a reflexão sobre o problema e possíveis soluções embutem fortes dilemas éticos, ao menos para mim[7]. Como, por dever de ofício, considero mandatório fundamentar com evidências a tomada de decisão, busquei na literatura informações sobre a experiência e práticas das Instituições de Ensino Superior que enfrentaram este mesmo problema e encontraram soluções que respeitam tanto o direito quanto a dignidade das pessoas. Apresento neste texto o meu exercício de reflexão sobre os resultados desta busca. Compartilho também o procedimento que usei para o translado do conhecimento para a minha tomada de decisão.

Descrição do problema

A autodeclaração não é o problema. A autodeclaração é o instrumento de medida soberano. Concordo com Collins[8] (2016) quando argumenta que a autodefinição envolve desafiar o processo de validação do conhecimento político que resultou em imagens estereotipadas externamente definidas da condição (feminina, inclusive) afro-centrada. 

Contudo, é bastante provável a existência de pessoas que estejam disposta a ultrapassar a barreira da dor e da delícia de ser negr@ em razão de obter o benefício conquistado com a ação afirmativa.

Mas, justamente por comungar da convicção de que toda pessoa é inocente até prova contrária é que busquei na literatura científica (e também na cinzenta) uma metodologia que assegure tanto a dignidade do(a) candidato(a) quanto a especificidade do instrumento de medida, de modo que possamos garantir o direito de pretos e pardos (inclusive indígena, se for o caso), bem como excluir oportunistas, no acesso à Universidade por meio das cotas étnico-raciais. Diante do exposto, estabelecemos como pergunta deste estudo: 
- Qual a melhor prática para a prevenção da fraude étnico-racial (pretos & pardos) no acesso à graduação na Universidade?

Brevíssima revisão sobre o quesito cor no acesso por cota étnico-racial nas IES

Em uma busca não sistematizada, encontrei o estudo  de Rosemberg[9] (2004) no qual a autora mostra preocupação não só em garantir que pretos e pardos sejam realmente os beneficiários da ação afirmativa no acesso ao curso de pós-graduação, como também se assegure que o processo seletivo trate as pessoas com dignidade ao tempo em que seja específico o bastante para excluir aquelas que têm a intenção de avançar na barreira da cor por pura conveniência, sejam estas pessoas brancas (sem direito à ação afirmativa), sejam pretas ou pardas (sem liderança no processo de desconstrução do racismo institucional). Com este propósito, a autora descreve uma metodologia de prevenção da fraude étnico-racial que baseia-se na autodeclaração e na entrevista com foco no potencial de liderança do(a) candidato(a) quanto às políticas de promoção da população negra e da equidade social.

Relevante para o entendimento dos esforços no sentido de prevenir a fraude étnico-racial é o estudo de Maio et al[10] (2005) que analisaram o processo desenvolvido pela Universidade de Brasília, primeira instituição de ensino superior federal a adotar, em 2004, um sistema de cotas raciais para ingresso através do vestibular. À época, a instituição criou uma comissão com 5 integrantes para homologar a identidade racial dos mais de 4.000 candidatos a partir da análise de fotografias. Isto causou celeuma que se estendeu para muito além da comunidade universitária. Os autores descrevem neste artigo as gestões políticas que levaram a UnB abandonar autodeclaração como documento único e instalar uma comissão de aferição, bem como as consequências naquele momento. Vale a leitura.

No que se refere à coleta do quesito cor em qualquer circunstância, segundo Muniz[11] (2010), a categoria raça (cor) precisa constituir-se uma variável que possa ser utilizada de maneira consistente e válida. Muniz considera que parte da consistência é assegurada pela manutenção das categorias oficiais ao longo do tempo (IBGE, por ex). O autor enfatiza que as pesquisas precisam buscar evidências de como e quanto a falta de concordância entre metodologias de coleta afetam o tamanho e a dinâmica da desigualdade que se quer reduzir. 

Processo de obter dados:

A revisão da literatura foi realizada por meio de busca nas bases de dados Scielo e Google (literatura cinza). Foram buscadas pesquisas sobre #PrevençãoDaFraudeÉtnicoRacial, #CotasRaciais, entre outras, no acesso à universidade, publicadas entre 2004 e 2016. 

Análise e interpretação:

Os textos incluídos neste estudo foram organizados em uma tabela e avaliados por meio da classificação criada pela autora. A saber:

  • evidência 1 - periódico científico
  • evidência 0.5 - fontes institucionais/jornais de grande circulação
  •  evidência 0 - opinião

Resultados esperados:

Estabeleci dois resultados para minha busca para organizar os textos e poder orientar o raciocínio visando uma solução:  aceitação pública do método de prevenção da fraude e entendimento do contexto institucional sobre a auto-declaração no acesso à universidade. 

A- Entendimento do contexto institucional sobre a autodeclaração no acesso à universidade

Autor/ano

Intervenção/foco

Nível de evidência

(1, 0,5 ou 0)

ABA, 2016

Nota de repúdio

0,5

Carneiro, 2014

impasses acerca das percepções de raça/cor e quanto ao manejo da heteroclassificação/da autoclassificação

1

UFG, 2016

Cartilha sobre cotas

0,5

Revista Consultor Jurídico, 2010

Decisão do TST contesta fenotipia e afirma ascendência direta (pai ou mãe)

0,5

Muller, 2015

Implantação de educação antirracista e decolonial

1,0

Muniz, 2012

Sugere a autodeclaração direta e realizada via fotografias

1,0

Silva, 2012

Pardos e pretos identificam e denunciam a discriminação racial e por vezes optam pela identificação como negros(as).

1,0   

Universidade Federal de Grande Dourados, 2016

Comissão de verificação de fraude étnico-racial e parecer fenotípico após Análise da declaração, de documentos pessoais e de fotografias anteriores; Entrevista presencial com observação; Coleta de imagens fotográficas; Deliberação de alter/heteroatribuição

0,5

Muniz, 2016

Heteroclassificação do IBGE

1,0

UnB, 2013

Avaliação do sistema de cotas

0,5

Meus destaques:

1-evidência 0.5 - Nota da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) Repúdio à Orientação Normativa nº. 3, de 1o. de agosto de 2016, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão,contra Programa de Promoção da Igualdade Racial. "No cenário atual de enfrentamento das desigualdades raciais no Brasil, nossa posição é que a auto-declaração, livre de suspeições e ameaças, deve ser o critério principal e norteador."

Cabe observar que esta norma do Ministério do Planejamento não se aplica às IES. Incluí aqui porque reforça o valor da autodeclaração.

2- evidência 1 - artigo de Rosa Carneiro[12], Cor da pele em/como campo, (a)"Percebia que as alunas, muitas vezes, acabavam heteroclassificando as pessoas encontradas no posto de saúde, a partir de seus próprios olhos negros corporificados, ainda que tenhamos pactuado pela autoclassificação como premissa de pesquisa." (b) "enquanto minhas orientandas embranqueciam pessoas ao longo do trabalho, na medida em que não as consideravam negras/negros. Para tais jovens pesquisadoras, para alguém ser considerado negro era preciso não só a cor da pele, mas também o cabelo crespo e o nariz largo."

Este estudo revela como o viés implícito da pessoa influencia a interação e, consequentemente, a heteroclassificação.

3- evidência 0.5 - cartilha sobre cotas da Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2016.

Para mim um exemplo de Boas Práticas na promoção da equidade étnico-racial no acesso à IES.

4- evidência 0,5 – Revista Consultor Jurídico, 28 de setembro de 2010 informa sobre decisão que contesta a fenotipia. “Afrodescendência independe de características fenotípicas da raça negra. Basta que a ascendência provenha do pai ou da mãe. Com esse entendimento, a 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho não conheceu recurso da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) e manteve decisão de primeira e segunda instâncias, que decidiram pela reintegração de um trabalhador aprovado pelas cotas para afrodescendente.”

Ainda que não trate do acesso à IES, considero importante incluir este texto porque revela o entendimento do Judiciário sobre o tema.
5- evidencia 1 – Segundo Muller [13]
, com base na revisão da literatura, as relações étnico-raciais é praticamente um conceito que se firma como política de ação afirmativa, construída por lutas históricas de movimentos sociais negros e não negros tendo em vista a escolarização da população negra em todos os níveis e a implantação de uma educação antirracista e decolonial. Para tanto, pressupõe-se uma luta permanente pela superação do racismo nas instituições de ensino, a descolonização do currículo e conteúdo escolares e a educação como instrumento de desconstrução do preconceito e da discriminação racial.

Este estudo reforça a necessidade de trabalhar na IES as políticas inclusivas e não só o cumprimento da legislação sobre o acesso a partir de cotas sociais.

6- evidencia 1 – Segundo Muniz [14](2012), em sua pesquisa sobre diferentes métodos de coleta do quesito cor com três ou duas opções, na qual o primeiro método baseia-se na autodeclaração direta, o segundo mede a cor autodeclarada em dois estágios por meio de fotografias, o terceiro utiliza a percepção do entrevistador, e o quarto atribui ao entrevistado a cor do ascendente direto mais escuro, verificou que a dificuldade aparece quando a cor autodeclarada passa a ser vislumbrada como sinalizador para alocação de benefícios. Porque o critério cor da pele torna-se infactível para viabilizar a inclusão de categorias sociais excluídas de serviços e direitos. Há evidência, por exemplo, demonstrando que as cotas raciais serviram de incentivo para reforçar a identidade negra. Muniz argumenta que em contextos nos quais a autodeclaração direta se apresenta como um indicador enviesado pela concessão de privilégios (cotas para pretos e pardos no acesso à universidade, por ex), é importante que se proponham outras medidas que respeitem as preferências individuais e que sejam concomitantemente neutras à oferta de privilégios. O pesquisador sugere que a autodeclaração intermediada por fotos pode vir a ser uma opção robusta por duas razões: a autodeclaração direta e a realizada via fotografias.

O texto não se refere à forma de acesso por cotas. Mas, trata das implicações de cada método que pretende "completar ou complementar" a autodeclaração sobre raça/cor.

7) evidencia 1 – Em seu estudo sobre as pessoas que se autodeclaram pardas, Silva et al[15] (2012) observaram que a identificação de pardo como misturado, no entanto, não impede que os entrevistados pardos, pretos e negros identifiquem e denunciem a discriminação racial, muitas vezes optando pela identificação como negros. As autoras verificaram que o repertório da negritude no Brasil pode ser reconciliado com a identificação como pardo a partir de duas vertentes: (a) viés mais culturalista (negritude como diferença, que pode estar influenciando a identificação simultânea como pardo e negro, sem que essa múltipla identificação racial apareça como contraditória para quem a adota); (b) vertente estruturalista (relação entre categorização e discriminação, isto é, as formas como a categorização como negro afeta a identificação dos pardos em situações de discriminação racial).

Mais um estudo que revela como o viés implicito da pessoa influencia a interação e, consequentemente a heteroclassificação. No caso das cotas étnico-racias, há grupos que pretendem ir além de barrar o oportunismo de pessoas brancas e também excluir de forma subjetiva as pessoas pardas do direito de acesso às cotas étnico-racias para a população negra.  Vale lembrar que as cotas são uma política compensatória ao dano causado pela escravidão. Poderia ter sido a reparação, mas não foi. O dano causado pela escravidão atinge igualmente para pretos(as) e pardo(as). A ideologia racista pode ter um impacto diferenciado, mas as cotas não foram criadas para efetivamente desconstruir o racismo...ainda que seja um efeito colateral desejável. 

8) evidencia 0,5 – uma vez feita a denúncia de fraude, há o caso da Universidade Federal de Grande Dourados[16] (2016) que para  saber se o candidato possuía correspondência fenotípica ou se a declaração era falsa e elaborar um parecer conclusivo e fundamentado, implementou os seguintes procedimentos:

·         Análise da declaração, de documentos pessoais e de fotografias anteriores; Entrevista presencial com observação;
Coleta de imagens fotográficas;
Deliberação de alter/heteroatribuição; E
laudo fenotípico.

Ainda que este texto se refira ao acesso de servidor(a) e não de estudante, eu incluí porque mostra o modus operandis da Comissão de  Sindicância sobre uma denúncia de fraude étnico-racial. 

10) evidência 1- Muniz [17](2016) descreve o método como as informações são coletadas pelo IBGE para a PESB-Pesquisa Social Brasileira, a saber: mede-se a raça/cor através da

1.    autoclassificação (entrevistado declara qual a sua raça),

2.    heteroclassificação (o entrevistador, devidamente treinado, assinala a raça do entrevistado),

3.    hipodescendência (a raça dos entrevistados passa a ser igual à do ascendente direto mais escuro) e

4.    foto-classificação (entrevistadores utilizam-se da percepção dos usuários sobre a raça de pessoas apresentadas em oito fotos para assinalar a raça do entrevistado).

É um  texto que descreve a metodologia do IBGE quando este órgão trabalha com a heteroclassificação. Nota-se que a heteroclassificação é acompanhada por triangulação e validação das informações em relação à autodeclaração. Além disso, os(as) entrevistadores(as) são treinados(as) para a execução da classificação, visando o controle de vieses implícitos e/ou preconceitos, assim como a influência de estereótipos e arquétipos sobre os grupos étnico-raciais.

11- evidência 0,5 – A Universidade de Brasília[18] (UnB) fez um balanço da política de cotas. Entre 2004-2013, 64.683 candidatos se inscreveram no vestibular da UnB pelo sistema de cotas para negros. O relatório observa que no período 1º/2008 ao 1º/2013 vigorou a entrevista pessoal para 37.881 candidatos com uma banca avaliadora. O trabalho da banca resultou na homologação de 53,6% do total de inscritos. Cabe observar que aqueles que não tinham a inscrição homologada para concorrer pela cota, voltava a para a ampla concorrência. O relatório quando focaliza os 3.009 candidatos inscritos para o primeiro vestibular de 2013 pelo sistema de cotas para negros, revela que 41% deles tiveram sua inscrição homologada para o referido sistema. Ficou em 53,2% o percentual dos candidatos que tiveram sua inscrição homologada e não compareceram à entrevista, e 5,7% não foram considerados negros pela banca avaliadora. Quanto aos 53,2% que não tiveram a inscrição homologada (mas passaram a concorrer pelo sistema universal), as razões elencadas foram perda da data da entrevista (57%), desistência do sistema de cotas (19%), dentre outras.

A experiência da UnB é valiosíssima.



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

B - aceitação pública do método de prevenção da fraude

Autor/ano

Intervenção/foco

Nível de evidência

(1, 0.5 ou 0)

Associação Brasileira de Antropologia (ABA)/2016

Nota em que reafirma que a auto-declaração, livre de suspeições e ameaças, deve ser o critério principal e norteador

0,5

Conselho Regional de Fonoaudiologia - SP, 2016

Fenótipo no edital

Documento público

Se negado: ampla concorrência

0,5

 

UFSCar, 2016

SiSU

Autodeclaração na matrícula

Documento público próprio e/ou de pai/mãe

0,5

Campos, 2014

Uso da heteroclassificação por meio de foto e os problemas do método

0,5

SEPPIR-SP, 2016

denúncia de servidor que recebe autodeclaração

documento público

0,5

Silva Jr, 2013

Documentos públicos junto com a autodeclaração

0,5

Decisão judicial, 2016

Acatou edital com fenotipia e decisão de banca

0,5

UEPG, 2015

Autodeclaração

Extinguiu a Comissão de Aferição

Criou cartilha e campanha sobre cotas para estudantes de ensino me´dio

0,5

UFG, 2016

Comissão de autodeclaração

Curso de Formação para os membros da Comissão

0,5

SES-RS, 2016

Comissão de Aferição

Documento público é usado em caso de dúvida da Comissão

0,5

UnB, 2016

Traços fenotípicos em edital

(sem entrevista, no meu entendimento)

0,5

Bastos et al, 2008

Heteroclassificação: tendência de branqueamento dos entrevistados.

1,0

Rosemberg, 2004

Entrevista focada na liderança

1,0

Meus destaques:

1- evidencia 0.5 - CONSELHO REGIONAL DE FONOAUDIOLOGIA - SP (edital 01/2016): (a) cita fenótipo no edital (b) utiliza a certidão de nascimento original ou autenticada e/ou outros documentos originais ou autenticados que possam comprovar o fenótipo, juntamente com a cópia simples que ficará retida para compor o processo; (c) Da decisão da Comissão Especial objeto do reconhecimento ou não da condição de negro caberá recurso (d)Sobrevindo decisão da Comissão Especial que não reconheça a condição de negro, o candidato será excluído da listagem específica, permanecendo somente na listagem de ampla concorrência.

A razão do destaque é a possibilidade de o(a) candidato(a) que não for reconhecido(a) como preto(a) ou pardo(a) possa continuar a ter o direito de concorrer ao que se deseja.  Esta é uma ação que respeita o DIREITO DA PESSOA EM NÃO SER LESADA. Assim se previne ou diminui a possibilidade de dano que possa ser causado por uma comissão de aferição, no meu entender. Esta estratégia precisa ser considerada pelo Ministério da Educação e pelas Instituições de Ensino Superior.

2- evidencia 0.5 - UFSCar acesso pelo SISU, por meio de Resolução/2012  (a) II - A autodeclaração quanto à raça/cor para os candidatos optantes por Reserva de Vagas nos termos do § 4º deste artigo, deverá ser feita em dois momentos: 
a) no ato da inscrição no SiSU, por meio da indicação da respectiva opção no formulário eletrônico disponibilizado pelo sistema (b) b) no ato da matrícula, e como condição para sua efetivação, por meio de preenchimento e assinatura de declaração cujo modelo será disponibilizado ao candidato no ato da matrícula e cujo teor integral consta do respectivo quadro, item 4.2 – IX do termo de participação da UFSCar no SiSU, Anexo II desta resolução. (c) A autodeclaração inidônea de candidato, além de sujeitá-lo às consequências administrativas cabíveis, também o sujeitará às consequências criminais (d) Garantindo ao aluno o direito a ampla defesa e contraditório (e) Qualquer pessoa é parte legítima para ingressar em juízo a fim de obter decisão judicial que invalide a autodeclaração de candidato ao Ingresso por Reserva de Vagas nos termos do § 4º. deste artigo (e) X - Os candidatos que tiverem optado no ato da inscrição pelo Ingresso por Reserva de Vagas por terem se "autodeclarado pretos ou pardos e por terem cursado integralmente o ensino médio em estabelecimentos da rede pública de ensino" deverão entregar, também, pelo menos um dos seguintes documentos, seu ou de seus ascendentes diretos – ou seja, seu pai ou sua mãe – em que conste raça/cor: registro de nascimento; prontuário de identificação civil; prontuário de alistamento militar. Poderão, ainda, entregar certidão extraída de um dos seguintes documentos públicos: formulário da relação anual de informações sociais – RAIS; cadastro geral de empregados e desempregados – CAGED; cadastro dos beneficiários do programa bolsa família; formulário de adoção das varas da infância e adolescência do Estado de São Paulo; certidão de óbito do pai ou da mãe do candidato.

A solução da UFSCar para a possibilidade da fraude étnico-racial, no meu entender, respeita especialmente o direito da pessoa ao que foi acordado, isto é, o direito de pessoas autodeclaradas pardas concorrerem pelo sistema de cotas para a população negra. Seria o óbvio se não houvesse a insistência de grupos pela inclusão da “fenotipia negra” como critério em editais.

3) evidência 0.5 - artigo do IX ENCONTRO DA Associação Brasileira de Ciência Política, 2014, de Luis Campos (UNIRIO), utiliza na pesquisa a heteroclassificação a partir da foto dos(as) candidatos(as). (a) Por razões evidentes, tal método suscita inúmeros problemas. Além de questões éticas (nem sempre alguém classificado como branco se enxerga como branco), existe toda uma série de problemas relacionados à comparação com os dados levantados pelo IBGE. Ademais, em um país com classificações raciais fluidas, é difícil crer que a heteroclassificação forneça dados estáveis e válidos. (b) Em terceiro lugar, o problema da fluidez do modelo de classificação racial brasileiro pode ser contornado pela heteroclassificação múltipla, em que várias pessoas classificam as mesmas fotos. Segundo o autor, em mais da metade dos casos (62,9%), houve unanimidade classificatória, isto é, todos os quatro classificadores concordaram. Em um quarto dos casos (25%), houve uma alta coincidência nas classificações, já que apenas um classificador optou por uma cor diferente dos outros três. Em apenas 12,1% dos casos houve empate. Diante disso, optou-se por considerar como a cor do candidato aquela que foi classificada pela maioria dos codificadores.

Ainda que este texto não se refira estritamente ao acesso à Universidade, considero importante porque revela como a heteroclassificação exige método e treinamento prévio para aumentar o grau de concordância entre avaliadores(as).

4) evidência 0.5 - Portaria da SEPPIR-Cidade de São Paulo (2016): (a) Art. 1º  o servidor que receber o candidato, caso verifique possível dissonância relativa ao conteúdo da declaração de pertencimento racial, deverá encaminhar consulta à Comissão de Monitoramento e Avaliação da execução da Lei nº 15.939, de 2013.(b) Parágrafo único. Para a constatação prevista no caput será instituído procedimento próprio que poderá incluir a convocação do candidato para comparecimento pessoal, bem como apresentação de documentos e outros meios de prova admitidos em direito, assegurando ao nomeado o contraditório e a ampla defesa.

Este texto também não se refere ao acesso à Universidade, todavia considero importante porque revela, no meu julgamento, a dificuldade que é estabelecer uma metodologia de aferição da autodeclaração e o quão frágil e subjetivo pode ser o procedimento proposto.

5) evidência 0.5 - artigo de Hédio Silva Jr intitulado Documentos públicos como prova de pertencimento racial, 2013, (a) No ato da inscrição o candidato deverá apresentar declaração de pertencimento racial, de próprio punho, indicando expressamente uma das categorias cromáticas empregadas pelo IGBE, acompanhada de documentação idônea que comprove a veracidade da aludida declaração, tais como certidão do prontuário do alistamento militar, do registro de nascimento ou do prontuário de identificação civil, dele próprio ou de seus ascendentes diretos (pai ou mãe), ou ainda outro documento dotado de fé pública no qual esteja consignada cor diversa de branca, amarela ou indígena.

O texto traz argumentos sobre um recurso a ser usado para validar a autodeclaração: o documento público da própria pessoa.

6) evidência 0.5 – decisão judicial que confirma decisão da banca em excluir candidato que se autodeclarou pardo (http://www.jusbrasil.com.br/diarios/documentos/334744989/andamentodoprocesson0126403292015402500106052016dotrf2). O entendimento foi: “não cabe ao Poder Judiciário imiscuir-se em critérios de correção adotados por bancas de processos seletivos”; “a banca examinadora apresentou critérios claros e objetivos para o exame de heteroidentificação (informação prestada no ato da inscrição quanto à condição de pessoa preta ou parda;  autodeclaração assinada pelo (a) candidato (a) no momento da Entrevista de confirmação da autodeclaração como negro, ratificando sua condição de pessoa preta ou parda, indicada no ato da inscrição; fenótipo apresentado pelo (a) candidato (a) em foto (s) tirada (s) pela equipe do processo seletivo no momento da Entrevista de confirmação da autodeclaração como negro. O (A) candidato (a) será considerado (a) não enquadrado (a) na condição de pessoa preta ou parda quando: Não cumprir os requisitos indicados no edital; Houver unanimidade entre os integrantes da Comissão quanto ao não atendimento do quesito cor ou raça por parte do (a) candidato (a). Quanto ao não enquadramento do candidato da reserva de vaga para negros caberá pedido de recurso).” Neste mesmo documento há esta impressão final: “em respeito aos princípios da isonomia e da legalidade não é possível que o Judiciário intervenha e classifique a parte autora como negra, parda ou branca. Entretanto, sob a luz dos mesmos princípios, entendo que não houve qualquer ilegalidade na ação da parte ré ao desclassificar o autor do sistema de reserva de vagas, visto que tal situação já se encontrava prevista no Edital e não foi questionada anteriormente pelo autor”.

Este texto mostra um entendimento do judiciário sobre a “lisura” do processo de aferição da autodeclaração, mas não de concordância quanto ao mérito. E também revela que o momento de recorrer ao judiciário foi tardio, isto é, após a negativa da banca. O momento certo seria no lançamento do edital.

7) Evidencia 1 – Bastos et al[19] (2008) em um estudo sobre a heteroclassificação verificaram que apesar da alta reprodutibilidade observada para cor/raça, verificou-se tendência de branqueamento dos entrevistados. Autoclassificados pardos e pretos tiveram 1,4 e 1,5 vezes mais chance de serem classificados como brancos do que como pretos e pardos, respectivamente. Os valores de kappa foram mais altos nos grupos socialmente desfavorecidos. Evidenciaram-se desigualdades étnico-raciais de renda e condição socioeconômica, as quais foram ligeiramente maiores com cor/raça determinada por entrevistador. Concluíram que a classificação racial apresenta tendência ao branqueamento dos participantes por parte do entrevistador. Pardos e pretos encontraram-se em desvantagem socioeconômica quando comparados aos brancos.

Mais um texto que expõe as dificuldades da heteroclassificação de raça-cor, indicando o viés branqueamento da pessoa por parte do classificador(a).

8) evidência 0.5 – Na UFSCar, no caso de recursos pelos candidatos que tiveram seu pedido de inscrição indeferido quanto ao acesso por cota étnico-racial (indígena) é admitida a inclusão de nenhum documento além daqueles já apresentados por ocasião do pedido de inscrição. O pedido de recurso pode ser apresentado por meio de um procurador designado formalmente pelo candidato.

Destaquei este procedimento da universidade porque ele indica que o(a) candidato(a) teve garantido o direito à verdade no ato da entrega da autodeclaração pois tinha a oportunidade de validar a autodeclaração com variados documentos próprios e da ascendência direta. Como verdade não se fabrica, não há fato novo a ser produzido, o que se pode é revisar mais atentamente a documentação.

9) evidência 1- Em seu artigo, Rosemberg (2004) apresenta uma metodologia que visa garantir que a ação afirmativa seja alcançada por pretos e pardos. Ainda que a metodologia seja aplicada na pós-graduação, cabe observar algumas de suas etapas: 1 a seleção de candidatos(as) é dividida em duas grandes fases: a primeira privilegia os candidatos que, devido à sua origem social, étnico-racial e regional teriam menor probabilidade de terminarem o ensino superior e, portanto, de serem candidatos à pós-graduação. A segunda fase da seleção se propõe a escolher os melhores candidatos do ponto de vista acadêmico, de liderança e compromisso social, adotando estratégias usuais das agências de fomento. Para triangulação, a autora incluiu no questionário um campo inspirado em prática que vem se consolidando em programas de ação afirmativa brasileiros, para que a pessoa declare sua pertença racial quando, então, usa o termo negro". Declaro que pertenço ao(s) segmento(s) sub-representados(s) na pós-graduação privilegiado(s) pelo edital do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford e que assinalei abaixo: identifico-me como negro(a) ou identifico-me como indígena e pertenço ao povo". Ao usar esta prática de triangulação, a autora busca é não cometer injustiça incluindo pessoas que passam a linha de cor por oportunismo, bem como não incluir perguntas que possam violentar o candidato(a). A autora reitera que um dos princípios do Programa é o de acreditar na informação do candidato até prova em contrário. A autora indica ainda que se pensa em solicitar uma foto e anunciar que haverá uma entrevista, já no edital, pois entende que são estratégias para estimular o autocontrole de candidatos que têm a intenção de burlar o processo.

Considero este texto um subsídio para uma eventual comissão de sindicância sobre fraude étnico-racial.

10) evidencia 0.5 - Cabe observar que a Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR (UEPG)[20], após oito anos de implantação da política de cotas, realizou um amplo processo de avaliação que resultou numa resolução, aprovada pelo Conselho Universitário, de manutenção da política de cotas, com percentual de 40% para estudantes da escola pública e 10% para negros oriundos da escola pública. Esta nova versão tem validade por oito anos, com possibilidade de revisão no quarto ano de vigência. Para concorrer ao vestibular pelo sistema de cotas, nas duas modalidades, devem os alunos ter estudado todas as séries do ensino fundamental e médio na escola pública. No caso da cota para negros, decidiu-se pela extinção da banca de constatação, bastando ao candidato se autodeclarar negro. No caso de falsa declaração, fica esse candidato sujeito às penalidades previstas na resolução universitária que regulamenta a matéria. Prevê ainda norma, que a UEPG reserva-se ao direito de solicitar comprovação da condição declarada a qualquer tempo.

Este texto mostra a decisão de um IES experiente em ação afirmativa que tem como “Boa Prática” a autodeclaração com um único termo: negro(a).

Modelo de autodeclaração
Declaro a decisão de concorrer no Vestibular de Verão 2016 pelo sistema de cota destinada aos candidatos concorrentes oriundos das escolas públicas do Brasil, que se declaram negros. Para tanto, declaro que realizei todas as séries do Ensino Fundamental e Médio em escola(s) pública(s) do Brasil, declaro que não ingressei por sistema de cotas em curso superior e declaro que não tenho nenhum curso superior trancado, em andamento ou concluído. Declaro também, que estou ciente de que a comprovação do que foi declarado será realizada no momento do Registro Acadêmico e Matrícula. http://cps.uepg.br/vestibular/documentos/2016/2016_MANUAL_VESTIBULAR_VER%C3%83O.pdf

11) evidencia 0,5 – A UEPG extinguiu a Comissão de Constatação[21] quando avaliou a política de ação afirmativa e manteve decisão num momento posterior. Quando tentou retomar a Comissão, a UEPG pretendia uma verificação anterior à divulgação dos resultados dos concursos, de modo que esses candidatos pudessem ser remanejados para a cota da escola pública.

O texto da UEPG mostra como a comunidade está atenta aos problemas e monitorando passo a passo. Desta forma, busca corrigir os erros, mas sem causar danos.

12) evidência 0,5 - A Coordenadoria de Ações Afirmativas (Caaf), da Universidade Federal de Goiás[22] realizou o primeiro curso de  Formação para Matrícula Sistema de Seleção Unificado 2017: Comissão de Autodeclaração.  O objetivo é aliar socialização de conhecimento com a formação de servidores para atuarem na comissão de autodeclaração. Criada por força de portaria, a comissão tem como objetivo assegurar deveres e preservar direitos na aplicação das políticas afirmativas na UFG. O curso de um único dia acontece no Núcleo de Pesquisa e Ensino de Ciências (Nupec), no Campus Samambaia.

Ainda que tenha criado a Comissão, pelo modelo de edital recente não há nada que indique a realização de entrevista ou aferição no ato da matrícula.

13) evidencia 0,5 – A Secretaria Estadual de Saúde -RS[23] realiza entrevista para confirmar o pertencimento racial dos entrevistados, considerando se apresentam pele negra, além de traços fenotípicos característicos da raça negra a qual é direcionado a política de Ação Afirmativa de cunho cotista no serviço público estadual e, de forma UNÂNIME, exaram seu parecer. No caso de dúvida da comissão quanto aos candidatos e candidatas os quais pelo fenótipo não é possível uma posição fidedigna quanto ao pertencimento racialsociológico, solicita-se nova documentação para que os mesmos comprovem ser filho (a) de “pai ou mãe negra”.

Outro texto que também não se refere ao acesso à Universidade, mas denota a dificuldade que é estabelecer uma metodologia de aferição da autodeclaração e o quão frágil, confuso e subjetivo pode ser o procedimento proposto.

14) evidencia 0,5 – O edital do vestibular 2016 da UnB[24] estipula para concorrer às vagas reservadas por meio do Sistema de Cotas para Negros, o candidato deverá possuir traços fenotípicos que o caracterizem como negro, de cor preta ou parda, conforme normas internas das Políticas de Ação Afirmativa da UnB; o candidato deverá também efetuar a sua inscrição via internet, conforme procedimentos descritos no item 3 deste edital, optando para concorrer pelo Sistema de Cotas para Negros. 5.2 No momento do registro, o selecionado deverá assinar um termo, fornecido pela UnB, se autodeclarando negro de cor preta ou parda. 5.2.1 As informações prestadas no termo serão de inteira responsabilidade do candidato, respondendo este por qualquer falsidade. 5.3 As vagas do Sistema de Cotas para Negros que não forem preenchidas serão adicionadas às vagas do Sistema Universal dos respectivos cursos.

A experiência da UnB não pode ser desconsiderada. Ainda que faça referência à fenotipia em edital, não há nele nada que indique a aferição direta por meio de entrevista, por exemplo.

Considerando a pergunta norteadora deste estudo:

- Qual a melhor prática para a prevenção da fraude étnico-racial (pretos & pardos) no acesso à graduação na Universidade?

Elaborei o quadro sinótico a seguir:

          Sistematização do edital (fenotipia ou não)
         •edital exige fenótipo (UnB-2016)
          •contestação da fenotipia: (Rev Com Jur sobre decisão do TRT-TST/PR)
         •cartilha informativa para candidatos/as: (Universidade Estadual de Ponta Grossa)
          Modelo de autodeclaração
         •autodeclaração (UFMG-2017) (UNIFESP 2017), (Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo) (UFRGS-2017 assinada no momento de efetivação da matrícula) (UFG)
         •autodeclaração assinada no ato da matrícula (UFRGS) autodeclaração assinada no registro da inscrição (UnB)
         •autodeclaração com foto (Muniz, 2012)
         •autodeclaração de negro (UEPG [fundamental & médio em escola pública])
         OBS – modelo de “checklist” para L2 (UFG)
Composição de banca de aferição da auto-declaração ( se for o caso)
Comissão Permanente de Autodeclaração (UFG) (até onde consegui avançar no Google não há entrevista à admissão)
Processo de aferição da auto-declaração (se for o caso)
comissão de aferição (heteroclassificação) maioria (Campos, 2014)
documento público que ateste a cor do(a) candidato(a): (UFSCar) (Prefeitura de São Paulo) (Hédio Silva Jr)
foto: (UFSCar) (Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo[colorida])
documento público que ateste a cor dos pais do(a) candidato(a): (UFSCar) (Rev Com Jur sobre decisão do TRT-TST/PR)
Entrevista (UnB até 2008)
Se negado:
direito a concorrer por cotas antes do exame: (Conselho de Fonoaudiologia)
direito a concorrer pela ampla concorrência em caso de discordância com a autodeclaração (Conselho de Fonoaudiologia) (UnB)
Sindicância sobre a denúncia de fraude étnico-racial (quando for o caso)
extinção de banca de constatação: (UEPG)
denúncia individual: (UFSCar)
denúncia por servidor à admissão (Prefeitura de São Paulo)
operacionalização da denúncia (UFGD)

Estratégias para mudanças (ou não)

autodeclaração versus heteroclassificação

 

Medidas chave para a prevenção da fraude étnico-racial:

Assim como o Movimento Negro por meio da campanha Não Deixe Sua Cor Passar Em Branco conseguiu que a população se conscientizasse das razões de autodeclarar a cor nos censos populacionais, julgo que é necessária uma campanha junto aos jovens do ensino médio sobre a conquista popular que são as cotas étnico-raciais e sociais e como as cotas se inserem no projeto político da sociedade quanto à promoção da equidade social. 
A partir disto, informar exatamente quais são as pessoas que têm direito a cotas e as consequências em fazer uma opção equivocada ou fraudulenta. Neste sentido, a Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG, com a colaboração do
Núcleo de Relações Étnico raciais, Gênero e Sexualidade entre outras instituiçãoes, publicou a cartilha Ações Afirmativas na UEPG, fique atento(a)! – Igualdade e oportunidade para todos e todas (2016). A cartilha orienta também sobre as consequências da falsa declaração de pertencimento étnico-racial.

Próximos passos:

Independente dos esforços para prevenir a fraude étnico-racial, um estudo de Camino et al[25] (2014) mostrou que há entre estudantes quatro classes discursivas, que compartilham uma forte oposição às cotas raciais, tais como: inexistência de diferenças intelectuais entre negros e brancos, as desigualdades sociais entre negros e brancos seriam produto do preconceito contra pobres, as cotas deveriam ser sociais, igualmente preocupação com a qualidade do ensino, pois o sistema de cotas poderia baixar o nível intelectual das universidades e que o correto seria investir na melhoria do ensino fundamental e médio.

No meu julgamento, estes resultados revelam muito mais do que desconhecimento sobre a razão e o valor das ações afirmativas para a população negra. Inclusive, têm o potencial de alimentar o conflito entre as relações étnico-raciais no meio acadêmico. As instituições de ensino superior devem estar atentas ao risco de assédio moral dirigido a estudantes negros/as e prevenir.

Além do potencial assédio moral, há que se atender as demandas dos/as graduandos, conforme mostrado no perfil divulgado pela ANDIFES[26]:

PERFIL DOS ESTUDANTES

– 52% das discentes se autodeclaram mulheres; (políticas de equidade de gênero)

– 53% dos estudantes utilizam transporte coletivo para ir até às universidades;

– 11,78% dos graduandos têm filhos; (necessidade de berçários e creches nas IES)

– 35,39% dos estudantes trabalham; (grade horária conciliatória)

– 60,16% têm origem em escolas públicas; (maior integração das IES com o ensino médio e fundamental)

– 22% gostariam de trocar de curso;

– 78% deles têm alguma participação acadêmica, sendo 25% vinculados a estágios; 22% pesquisa; 17% programas de ensino; 11% extensão; Programa de Educação Tutorial (PET) e empresa júnior, ambas com 4%; (monitorar a equidade social também)

– 72% declaram não fazer parte de nenhuma organização, associação, partido político, movimento ecológico ou artístico;

– 90% dos estudantes recorrem à internet para buscar informação; (metodologia da pesquisa para o século XXI)

– 31% faz de três a seis refeições por dia; (qualidade alimentar, prevenção da obesidade, etc)

– 60% são sedentários, sendo 30% os que não praticam atividades físicas e 30% os que praticam ocasionalmente; (espaços nas IES que realmente promovam a saúde)

– 70% dos estudantes nunca fizeram uso de bebidas alcóolicas;

– 42% dos estudantes disseram que a dificuldade financeira atrapalha o desempenho acadêmico.

No que se refere à desconstrução do racismo institucional no acesso à universidade muito ainda precisa ser feito para termos a equidade desejada. Isto porque, segundo a ANDIFES, em números absolutos, de 2003 a 2014, os brancos eram em torno de 278 mil nas Universidades, hoje são 429 mil. Os autodeclarados pardos eram 132 mil e, atualmente são 354 mil. Já os pretos que eram 27 mil, hoje são 92 mil, o que representa que o número de negros nas universidades brasileiras triplicou, nos últimos anos.

E à desconstrução do racismo institucional é preciso envidar os esforços para também desconstruir o patriarcalismo, o machismo e o sexismo intervenientes na permanência de todas as mulheres, particularmente, mulheres negras e indígenas nos cursos superiores como mostram os dados da IV Pesquisa de Perfil dos (as) Graduandos (as) das IFES, realizada pelo Fórum Nacional de Pró-reitores de Assistência Estudantil[27] (FONAPRACE). Segundo a pesquisa, em média uma discente das IFES tem renda per capita de até R$ 835,00, enquanto um discente aufere R$ 1.007,00. 

iniquidade de gênero e cotistas

Ao decompor este quadro de renda pelo corte cor ou raça, verifica-se que renda per capita média mensal familiar das:

  •  estudantes pardas é R$ 695,00

  •  pretas, R$ 605,00

  •  quilombolas, R$ 489,00

  •  indígenas nãoaldeadas, R$ 583 e 

  •  indígenas aldeadas, R$ 463,00.

Diante dos dados de iniquidade de étnico-racial e de gênero, cabe endossar o Manifesto em defesa do Direito à Educação Superior e à Assistência Estudantil, de setembro/2016, lançado pelo Fórum Nacional de Próreitores de Assistência Estudantil (FONAPRACE), e também reivindicar que o MEC transforme o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) em uma Política Nacional de Assistência Estudantil.

Opções chave

Boas práticas de promoção do acesso por cotas:

A exemplo da Universidade Federal de Goiás, o crescimento na taxa de acesso se deve principalmente ao projeto “UFG nas comunidades[28], com oficinas que esclarecem como ingressar na UFG, e que tem o envolvimento de professores e alunos. Em especial a ajuda dos estudantes veteranos que se tornam divulgadores das cotas e do programa em suas comunidades (negras, indígenas e quilombolas, principalmente) e fora delas.

É preciso, citando o prof Reinaldo dos Santos, da UFGD, maior rigor na prevenção, com a verificação das autodeclarações durante a seleção e não apenas a partir da denúncia sobre o resultado. Portanto, recomenda-se a revisão do processo seletivo para inclusão da tomada de decisão devidamente informada.

Neste sentido e considerando que todas as cotas são passíveis de fraude, a Universidade Federal de Santa Maria organizou seu processo seletivo de modo que a confirmação de Vaga (Processo Seletivo Seriado e SiSU 2016) conta com a participação de 05 comissões, a saber: I - Comissão de Seleção e Ingresso; II - Comissão de Documentação; III - Comissão de Análise Socioeconômica; IV - Comissão de Autodeclaração; V - Comissão de Acessibilidade. Para preenchimento das vagas nas comissões a UFSMA realiza uma seleção pública entre os servidores(as) da universidade.

A título de conclusão, tendo em vista a pergunta norteadora deste estudo:

- Qual a melhor prática para a prevenção da fraude étnico-racial (pretos & pardos) no acesso à graduação na Universidade?

Julgo que as ações dirigidas para a prevenção ou correção, se for o caso, da fraude étnico-racial que tratam as pessoas de forma equânime no acesso à Universidade são as que se seguem:

Documento de Autodeclaração

Documento Público (com indicação de raça/cor e de ascendência direta)

Comissão de Sindicância no caso de denúncia sobre fraude

As ações que se seguem têm o potencial de promover o bem comum

Campanha informativa forte no Ensino Médio/Vestibulares sobre as cotas sociais

Explicação detalhada no momento de inscrição (SiSU e outros)

Autodeclaração (tipo “consentimento informado”)

Instância de Gestão da Ação Afirmativa na IES (com foco na desconstrução de ideologias opressivas)

As ações a seguir têm o potencial de desenvolver boas práticas de gestão

Comissão de Vestibular (subcomissão de autodeclaração) avaliando em tempo hábil a documentação (autodeclaração e documento público próprio/pais) e homologando a matrícula

Em caso de denúncia (ou inconsistência nas informações), Comissão de Sindicância sensível à questão da ação afirmativa para a população negra

Sugerir a criação de legislação específica para punição de fraude étnico-racial (por ex, impedimento no acesso a concursos públicos)

Instancia de Gestão da Ação Afirmativa implementar ação continuada junto aos/às cotistas, observando uma política de equidade de gênero dentre outras vulnerabilidades sociais.

Indenizações decorrentes da fraude constituírem um Fundo de Apoio à Permanência do(a) Cotista na Universidade, observando uma política de equidade de gênero.

Referências



[1] Campos, Luiz Augusto. (2012). "We have a dream": cientistas sociais e a controvérsia sobre as cotas raciais na imprensa. Revista de Sociologia e Política20(41), 53-73. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-44782012000100005

[2] Silva, Sidney Reinaldo, & Negrão, Mário. (2012). Normatividade, políticas públicas educacionais e a questão racial no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos93(235), 864-882. https://dx.doi.org/10.1590/S2176-66812012000400016

[3] Campos, Luiz Augusto, & Feres Júnior, João. (2014). Ação afirmativa, comunitarismo e multiculturalismo: relações necessárias ou contingentes?. Revista Brasileira de Ciências Sociais29(84), 103-118. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092014000100007

[4] Santos, Hélio, Souza, Marcilene Garcia de, & Sasaki, Karen. (2013). O subproduto social advindo das cotas raciais na educação superior do Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos94(237), 542-563. https://dx.doi.org/10.1590/S2176-66812013000200010

[5] Cruz, I.. Indo muito além do sistema de cotas na Universidade: quais outras estratégias são necessárias para superação da discriminação institucional?. Boletim NEPAE-NESEN, Local de publicação (editar no plugin de tradução o arquivo da citação ABNT), 13, set. 2016. Disponível em: <http://www.uff.br/jsncare/index.php/bnn/article/view/2862/705>. Acesso em: 30 Out. 2016

[6] DETERMINAÇÃO DE SERVIÇO PROGRAD, Nº. 13 de 26 de setembro de 2016. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – BOLETIM DE SERVIÇO. ANO L – N.° 173 05/10/2016 SEÇÃO II PÁG. 013. Disponível em http://www.noticias.uff.br/bs/2016/10/173-2016.pdf

[7] Cruz, I.. Notas sobre prevenção da fraude - autodeclaração sobre raça/cor. Boletim NEPAE-NESEN, Local de publicação (editar no plugin de tradução o arquivo da citação ABNT), 13, set. 2016. Disponível em: <http://www.uff.br/jsncare/index.php/bnn/article/view/2861/704>. Acesso em: 30 Out. 2016

[8] Collins, Patricia Hill. (2016). Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro.Sociedade e Estado31(1), 99-127. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006

[9] Rosemberg, Fúlvia. (2004). O branco no IBGE continua branco na ação afirmativa?. Estudos Avançados18(50), 61-66.https://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142004000100007

[10] Maio, Marcos Chor, & Santos, Ricardo Ventura. (2005). Política de cotas raciais, os "olhos da sociedade" e os usos da antropologia: o caso do vestibular da Universidade de Brasília (UnB). Horizontes Antropológicos11(23), 181-214. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832005000100011

[11] Muniz, Jerônimo Oliveira. (2010). Sobre o uso da variável raça-cor em estudos quantitativos. Revista de Sociologia e Política,18(36), 277-291. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-44782010000200017

[12] Carneiro, R Cor da Pele em/como Campo: Dilemas de uma Jovem Orientadora de Pesquisa em Saúde. Revista Ártemis, Vol. XVIII nº 1; jul-dez, 2014. pp. 126-136. Disponível em http://dx.doi.org/10.15668/1807-8214/artemis.v18n1p126-136

[13] Müller, Tânia Mara Pedroso. (2015). As pesquisas sobre o "estado do conhecimento" em relações étnico-raciais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, (62), 164-183. https://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i62p164-183

[14] Muniz, Jerônimo O.. (2012). Preto no branco?: mensuração, relevância e concordância classificatória no país da incerteza racial. Dados, 55(1), 251-282. https://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582012000100007

[15] Silva, Graziella Moraes, & Leão, Luciana T. de Souza. (2012). O paradoxo da mistura: identidades, desigualdades e percepção de discriminação entre brasileiros pardos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 27(80), 117-133.https://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092012000300007

[16] Universidade Federal de Grande Dourados. Autodeclaração e cotas foram debatidas no encerramento do II Seminário Diálogos Interculturais. 2016. Disponível em http://portal.ufgd.edu.br/noticias/autodeclaracao-e-cotas-foram-debatidas-no-encerramento-do-ii-seminario-dialogos-interculturais

[17] Muniz, J.O. Inconsistências e consequências da variável raça para a mensuração de desigualdades. Civitas, 16(2), e62-e86. 2016. Disponível em http://dx.doi.org/10.15448/1984-7289.2016.2.23097

[18] Universidade de Brasília. Análise do Sistema de Cotas Para Negros da Universidade de Brasília- Período: 2º semestre de 2004 ao 1º semestre de 2013. 2013. Disponível em http://unb2.unb.br/administracao/decanatos/deg/downloads/index/realtorio_sistema_cotas.pdf

[19] Bastos João Luiz, Peres Marco Aurélio, Peres Karen Glazer, Dumith Samuel Carvalho, Gigante Denise Petrucci. Diferenças socioeconômicas entre autoclassificação e heteroclassificação de cor/raça. Rev. Saúde Pública  [Internet]. 2008  Apr [cited  2016  Oct  25] ;  42( 2 ): 324-334. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102008000200019&lng=en.  Epub Feb 29, 2008.  http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102008005000005.

[20] Universidade Estadual de Ponta Grossa. Ações Afirmativas na UEPG, fique atento(a)! – Igualdade e oportunidade para todos e todas. 1ª. Ed, 2016. Disponível em http://cps.uepg.br/vestibular/documentos/2016/Cartilha-Cota.pdf

[21]UEPG- Prograd ouve comunidade sobre ajustes na cota para negros; 2015. Disponível em http://portal.uepg.br/noticias.php?id=7305

[22] Pires, C. Caaf e Prograd realizam formação para Comissão de Autodeclaração. UFG, 2016. Disponível em https://www.ufg.br/n/92259-caaf-e-prograd-realizam-formacao-para-comissao-de-autodeclaracao

[23] SECRETARIA DA SAÚDE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Concurso Público. Edital Nº 16/2014 . Disponível em http://www.saude.rs.gov.br/upload/1404481224_Edial_16_2014-Homologa%C3%A7%C3%A3o%20cotas%20negros%20e%20pardos.pdf

[24]Universidade de Brasília. Edital do Vestibular, 2016. Disponível em http://www.cespe.unb.br/vestibular/VESTUNB_16_2/arquivos/ED_1_2016_VEST_UNB_16_2_ABT.PDF

[25] Camino, Leoncio, Tavares, Talita Leite, Torres, Ana Raquel Rosas, Álvaro, José Luis, & Garrido, Alicia. (2014). Repertórios discursivos de estudantes universitários sobre cotas raciais nas universidades públicas brasileiras. Psicologia & Sociedade, 26(spe), 117-128. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822014000500013

[26] Pires, C. Políticas de expansão e inclusão mudam o perfil de estudantes. UFG. 2016. Disponível em https://www.ufg.br/n/90869-politicas-de-expansao-e-inclusao-mudam-o-perfil-de-estudantes

[27] Fórum Nacional de Próreitores de Assistência Estudantil (FONAPRACE). Manifesto em defesa do Direito à Educação Superior e à Assistência Estudantil, setembro/2016. Disponível em http://www.prae.ufpr.br/prae/wp-content/uploads/2016/09/Campanha-Nacional-em-defesa-da-Assist%C3%AAncia-Estudantil_2016.pdf

[28] Queiróz, A. UFGInclui recebe maior número de estudantes desde sua criação. UFG. 2016. Disponível em https://www.ufg.br/n/87962-ufginclui-recebe-maior-numero-de-estudantes-desde-sua-criacao

Apontamentos

  • Não há apontamentos.


BNN - ISSN 1676-4893 

Boletim do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Atividades de Enfermagem (NEPAE)e do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra (NESEN).