Boletim NEPAE-NESEN enfermagem científica

Relato de experiência sobre a construção de uma vídeo-aula para portadores de hipertensão arterial sistêmica

Vidigal, Paula D. Graduanda do Curso de Graduação e Licenciatura em Enfermagem da Universidade Federal Fluminense.

Isabel Cruz. Professora titular/UFF

 

RESUMO. Na atualidade, torna-se imperativo o conhecimento e a utilização de diferentes meios de comunicação tecnológicos para o processo de ensino-aprendizagem. A utilização de diferentes recursos pode facilitar o ensino e a adesão do paciente ao tratamento. Porém, ainda é escasso a utilização desses meios no cotidiano dos profissionais de saúde. Esse artigo trata-se de um relato de experiência de uma aluna de graduação em enfermagem durante a elaboração de uma vídeo-aula para educação em saúde de adultos e idosos portadores de HAS, com foco principal sobre a dieta como estratégia para controle do peso. O maior aprendizado obtido durante o período de realização da disciplina a distância foi a formulação do plano de aula, com métodos capazes de afetar os três domínios do conhecimento da taxonomia de Bloom e com objetivos operacionais. Também foi possível aprender que os métodos avaliativos devem estar de acordo com os objetivos predeterminados. Ao final do período,  conclui-se que a aluna terá maior facilidade para trabalhar a educação em saúde com os seus clientes e que as vídeo-aulas são recursos que podem ser implementadas sem dificuldades nas unidades de saúde, junto com a presença do profissional educador.  

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou que, em 2008, 63% (36 milhões) das mortes no mundo foram devido a doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), principalmente doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e doenças respiratórias. As doenças cardiovasculares (DCVS) foram responsáves por 17 milhões de mortes, revelando-se como a principal causa de morte no mundo, com uma indicência de 29%. É válido expor que os países em desenvolvimento responderam por aproxidamente 80% dessas mortes.1

No Brasil, o DATASUS revela que as doenças cardiovasculares representam a principal causa de morte conhecida, atingindo 32% desse índice. Além disso, é responsável por 10% das internações hospitalares no Sistema Único de Saúde (SUS).2

A mortalidade por DCNT tem previsão de aumento, atingindo 52 milhões de mortes em 2030. Dessas, aproximadamente 23,6 milhões serão devido a DCVS, principalmente por doenças cardíacas e tromboembólicas. Destaca-se que mortes por doenças infecciosas tendem a declinar aproximadamente sete milhões nos próximos 20 anos, enquanto a mortalidade por DCVS irá apresentar um aumento de 6 milhões.1

Dentre os principais fatores de risco para diversas doenças cardiovasculares, destacam-se a hipertensão arterial sistêmica (HAS) e a diabetes mellitus (DM). Ambas representam um dos principais agravos de saúde pública. Paradoxalmente, essas doenças são de fácil diagnóstico, não requerem tecnologia sofisticada, podem ser tratadas e controladas com mudanças de hábitos de vida e medicamentos de baixo custo, sendo então de fácil aplicabilidade em atenção primária.3

Para o sucesso do tratamento e do controle da HAS, é necessário que o usuário do serviço de atenção básica conheça o seu processo de saúde-doença e todos os fatores de risco que levaram a hipertensão e podem agravá-la. Os principais fatores de risco modificáveis, como a alimentação e a prática de atividade física devem ser amplamente abordados. Para tal, os profissionais de saúde precisam estar bem preparados para desenvolver a educação em saúde.3

Os profissionais da saúde, ao aconselharem modificações de hábitos, devem apresentar ao paciente as diferentes medidas e possibilidades de implementá-las para que ele possa adaptá-las à sua situação sócio-econômica e à sua cultura, obtendo, dessa forma, maior adesão ao tratamento. Ressalta-se a importância de uma abordagem multi ou interdisciplinar e o envolvimento dos familiares do hipertenso nas metas a serem atingidas.3

Na atualidade, torna-se imperativo o conhecimento e a utilização de diferentes meios de comunicação tecnológicos para o processo de ensino-aprendizagem.4 Já verifica-se a utilização da web para o ensino a distância para a formação em diversos níveis. Porém, ainda e escasso a utilização de tecnologias de informação no cotidiano dos profissionais de saúde. A utilização de diferentes recursos pode facilitar o ensino e a adesão do paciente ao tratamento.

No Curso de Graduação e Licenciatura em Enfermagem da Universidade Federal Fluminense há a disciplina Pesquisa e Prática de Ensino 3, com a opção de Educação a Distância através do Programa Moodle. Essa disciplina visa desenvolver nos alunos a habilidade de utilizar as tecnologias de informação como recurso para educação em saúde de adultos e idosos.

O objetivo desse artigo é relatar a experiência de uma aluna de graduação em enfermagem durante a elaboração de uma vídeo-aula para educação em saúde de adultos e idosos portadores de HAS, com foco principal sobre a dieta como estratégia para controle do peso.  

METODOLOGIA

Este estudo consiste em um relato da experiência vivenciada pela aluna da disciplina Pesquisa e Prática de Ensino 3, do Curso de Graduação e Licenciatura em Enfermagem da Universidade Federal Fluminense, no período de março a junho de 2012.

Durante tal período desenvolveram-se as atividades da disciplina citada acima através do Programa Moodle e de encontros presenciais para, ao final, apresentar como método avaliativo uma vídeo-aula de educação em saúde para adultos e idosos portadores de HAS, com base nos conhecimentos adquiridos sobre andragogia, taxonomia de Bloom e objetivos de aprendizagem.  

RESULTADO E DISCUSSÃO

No início do período houve um encontro presencial das discentes com a docente da disciplina, no qual explicaram como seria a disciplina e como funcionavam a plataforma e o programa Moodle. Também apresentaram o cronograma, os métodos de avaliação e o principal objetivo que deveríamos alcançar ao final da disciplina, que consistia em sermos capazes de atuar na educação em saúde para adultos embasadas em teorias e práticas baseadas em evidências. Nesse semestre, acordou-se que deveria ser produzido uma vídeo-aula para educação em saúde de adultos portadores de hipertensão arterial sistêmica.

O primeiro encontro foi essencial para todo o desenrolar da disciplina, pois aprendi como utilizar a plataforma e assim não apresentei dificuldades para manuseá-la. Também permitiu que não houvesse nenhuma forma de conflito devido a falha no canal de comunicação entre alunas e docente.

Acessando a plataforma pela primeira vez, tivemos acesso à ementa e ao projeto da disciplina e aos temas sugeridos para a vídeo-aula que deveria produzir ao longo do período e apresentar no último encontro presencial. Escolhi trabalhar com as estratégias para controle do peso. A professora sugeriu que eu trabalhasse apenas uma estratégia, pois assim daria para trabalhar com um foco melhor o assunto durante os sete minutos de duração da vídeo-aula. Portanto, foquei na dieta para controle do peso.

Ao longo de cada semana, acessávamos a plataforma para lermos e conhecer diversos materiais sugeridos pela docente para atingirmos os objetivos da disciplina. Aprendemos sobre andragogia, que corresponde a ciência que estuda como os adultos aprendem e que deve subsidiar a educação em saúde que desenvolveríamos em nossa prática laboral. O artigo sugerido parte de uma visão ampliada do idoso, na qual a missão do enfermeiro/educador é a de ajudar o adulto a desenvolver seu potencial, considerando seu ambiente social, suas experiências pessoais e coletivas e suas expectativas.5

O processo de ensino-aprendizagem deve ser dinâmico e favorecer a construção de um conhecimento pautado no compartilhamento de experiências e de diferentes visões de mundo, no intuito de buscar resoluções para as  questões a serem enfrentadas em conjunto do profissional com o usuário do serviço.6

Ao longo das semanas, lemos conteúdos relacionados com os domínios de aprendizagem (afetivo, cognitivo e psicomotor) e como traçar os objetivos de aprendizagem pautados neles.

Aprendemos então que os métodos de ensino são os caminhos que devemos conduzir o ensino para atingir o objetivo predefinido. Portanto, o educador precisa não só saber o que ensinar, mas como ensinar. Após conhecermos as diversas técnicas e recursos possíveis de serem utilizados durante o ensino do adulto, foi mais fácil traçar os diversos métodos que usaríamos em nossos vídeos.

Inicialmente, montei meu vídeo pensando em diversas estratégias de dieta que ajudariam o paciente a controlar o peso. Apresentaria tais estratégias em forma de demonstrações e simulações. Com o uso de uma filmadora, imagens obtidas pela internet e esquetes, tinha como objetivos de aprendizagem que o paciente conhecesse estratégias para o controle do peso, compreendesse a necessidade de manter-se com um peso ideal e aprendesse a calcular o peso ideal.

Tive dificuldade em pensar no método avaliativo da vídeo-aula, uma vez que não estaria em contato com meu público alvo. Pensei em medir o aproveitamento do vídeo-aula a partir da demonstração de retorno e das indagações dos usuários de saúde ao profissional. Também poderiam fazer interrogatórios direto e indireto a fim de verificar o aprendizado.

No segundo encontro presencial em sala de aula, a docente explicou-me que o objetivo estava muito subjetivo e que dificilmente eu conseguiria que o adulto realizasse uma mudança de fato em seu hábito de vida apresentando diversas estratégias. Foi sugerido que eu focasse em uma única estratégia alimentar para controle do peso e que eu pensasse em objetivos mais operacionais. Ela também explicou que os métodos avaliativos devem estar de acordo com os objetivos específicos, os mais operacionais possíveis.

Sendo assim, ao retornar para o aprendizado na plataforma Moodle, refleti sobre a melhoria da minha prática de ensino. Repensei qual estratégia seria o meu foco, quais os objetivos de aprendizagem mais operacionais que poderia construir, atentando para desenvolver os domínios afetivos, cognitivos e psicomotores. Também pensei em critérios avaliativos com base nos novos objetivos específicos.

Portanto, o tema da vídeo-aula ficou definido como “Estratégias para controle do peso corporal – dieta”. A estratégia abordada foi a realização de refeições em horários regulares ao longo do dia. O objetivo geral definido foi “Realizar refeições saudáveis de três em três horas”.

No início do vídeo, explico como o peso interfere na pressão arterial, através de imagens e demonstração do funcionamento de mangueiras para associação com os vasos sanguíneos. Dessa forma os usuários do serviço de saúde podem entender a importância de manter o peso ideal, em vista da sua patologia. O objetivo dessa introdução é que o adulto descreva a necessidade de manter-se com um peso ideal.

Na sequência, através de simulação, apresentou-se aos pacientes a realização de lanches saudáveis e não saudáveis. Houve também demonstração de pratos principais com quantidade de alimentos adequados e de pratos mal-organizados. Com isso, pretende-se que o adulto seja capaz de enumerar as refeições diárias que devem ser realizadas; citar lanches saudáveis; descrever como deve-se montar o prato de uma refeição principal e explicar como a alimentação a cada três horas ajuda a controlar o peso.

Como conclusão do vídeo, realizou-se uma avaliação da vídeo-aula através de um quadro-síntese revisando os tópicos abordados ao longo do vídeo. Depois enviou-se uma mensagem de apoio, explicando que o controle da saúde é de grande responsabilidade do próprio indivíduo. Essa foi uma forma de empoderar o sujeito em relação aos cuidados com sua saúde. Também disse-se que as mudanças de hábito demandam tempo, paciência e força de vontade, mas que são simples e trazem benefícios a longo prazo. Nessa etapa pretende-se que o portador de HAS seja capaz de resumir o conteúdo da vídeo-aula e sinta-se motivado para realizar refeições saudáveis a cada três horas.

Apresentou-se esse novo plano de aula à docente da disciplina através da plataforma Moodle e houve feedback explicando que dessa vez o plano estava adequado (focado em um estratégia, com objetivos operacionais, utilizando técnicas de demonstração e simulação e apresentando quadro-síntese como método avaliativo).

Portanto, a partir da aprovação do plano de aula, comecei a planejar como ficaria o vídeo e como transmitiria todas as informações selecionadas de forma organizada e atrativa. Nesse momento percebi como a realização do plano de aula prévio facilita a me concentrar e não fugir do foco da atividade.

Após planejar o vídeo, gravei o áudio para verificar quanto tempo gastaria na aula. Com certa sorte - ou planejamento, talvez - consegui gravar todo o aúdio com um pouco mais de seis minutos e meio. Dessa forma, iniciei a gravação das cenas e selecionei as melhores imagens para a aula.

Encontrei uma certa dificuldade quando gravei as cenas em que aparecia falando e precisava sincronizar a gravação com o restante do áudio. Acertar as imagens e as filmagens com o áudio feito previamente também foi um pouco trabalhoso, mas não houve muita dificuldade. Por sorte, já conhecia um pouco o programa Windows Movie Maker. Porém, ao longo da criação e edição da vídeo-aula, pude conhecer novas ferramentas desse programa.

Ao final, a vídeo-aula ficou com seis minutos e 50 segundos e transmitia-a para alguns familiares adultos, leigos na área da saúde. Pedi a eles que assistissem a aula e respondessem se entenderam o vídeo, quais partes precisavam melhorar e que eles respondessem aos objetivos específicos da aprendizagem. Apesar de responderem adequadamente às perguntas, eles sinalizaram pontos que precisavam melhorar. Realizou-se uma nova edição do vídeo e então retransmitido-o. Dessa vez, ficou decidido que a vídeo-aula estava pronta.   

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao iniciar a disciplina de Pesquisa e Prática de Ensino 3, recebi como um grande desafio criar um vídeo que seria então uma aula para um adulto usuário do serviço de saúde. Apesar de ter a ideia da aula que pretenderia passar, a criação de um vídeo seria um fator complicante. Para a minha surpresa essa não foi uma grande dificuldade.

A maior dificuldade e, concomitantemente, o maior aprendizado que obti com a disciplina foi a formulação do plano de aula, com métodos capazes de afetar os três domínios do conhecimento da taxonomia de Bloom7 e com objetivos operacionais. Também aprendi como o método avaliativo deve estar de acordo com os objetivos predeterminados.

Apesar de sermos estudantes desde sempre e desde sempre nos depararmos com aulas planejadas por nossos professores do jardim de infância até o final da graduação, nunca compreendi como montar um plano de aula realmente objetivo. Após todo o aprendizado disponibilizado, percebo que terei mais facilidade em trabalhar a educação em saúde com os meus clientes.  

Não é preciso ser um cineasta nem editor de vídeos para trabalhar com tecnologias de informação como meio de comunicação e de educação em saúde para os usuários do serviço de saúde. Conclui-se   que as vídeo-aulas são recursos que podem ser implementadas sem dificuldades nas unidades de saúde, junto com a presença do profissional educador pois o material produzido deve estar associado a um processo educativo em que é importante a presença de um educador como facilitador da aprendizagem.8  

BIBLIOGRAFIA

1 Who – World Health Organization. Cardiovascular diseases [Internet]. Geneva; 2009. Disponível em: http://www.who.int/cardiovascular_diseases/priorities/en/.

2 Brasil, Ministério da Saúde. Indicadores e Dados Básicos - Brasil – 2009. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2009/matriz.htm#mort. Acesso em: 30 de abril de 2011.

3 Brasil, Ministério da Saúde. Grupo Hospitalar Conceição. Protocolo de Hipertensão Arterial Sistêmica para a Atenção Primária em Saúde. Porto Alegre : Hospital Nossa Senhora da Conceição, 2009.

4 Cruz ICF. Moodle and nursing teaching – a brief experience report. Online Brazilian Journal of Nursing, 8(1), 2009.

5 Souza L, Silva M. Nursing consultation to elderly people based on andragogy: a review article. Online Brazilian Journal of Nursing, 8(1), 2009. Disponível em: http://www.uff.br/objnursing/index.php/nursing/article/view/2119. Acesso em: 17 de abril de 2012, 22:40hrs.

6 Nascimento MS, Santos FPA, Rodrigues VP, Nery VAS. Oficinas Pedagógicas: Construindo Estratégias para a Ação Docente – Relato de Experiência. Rev.Saúde.Com. 3(1):85-95, 2007.

7 Ferraz APC, Belhot RV. Taxonomia de Bloom: revisão teórica e apresentação das adequações do instrumento para definição de objetivos instrucionais.Gest. Prod.,  São Carlos, 17(2), 2010.

8 Hoga LAK, Abe CT. Relato de experiência sobre o processo educativo para a promoção da saúde de adolescentes. Rev.Esc.Enf.USP, 34(4):407-12, 2000.


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BNN - ISSN 1676-4893 

Boletim do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Atividades de Enfermagem (NEPAE)e do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra (NESEN).